quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Terry Eagleton - Reflexões sobre o neo-ateismo

Achei interessante um ateu admitir, no final do video, que possui crença. É dificil pra muitos ateus admitirem o fato de também possuirem crenças, isso porque possuem uma visão equivocada sobre o que é crer. Além da visão equivocada, muitos (na verdade suspeito que a maioria) possuem problemas volitivos, em vez de intelectuais. Junta isso com o "espantalho divino" que é convenientemente criado e uma falta de entendimento dos argumentos para a existencia de Deus (que leva a perguntas como "se tudo que existe possui uma causa, então qual é a causa de Deus?"), mais uma pitadinha de pedantismo, surge o neo-ateismo.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"Reforma" protestante: Igreja deformada, sempre deformando.


Existem dois tipos de argumentações que normalmente são feitas e que mostram que o protestantismo não faz sentido. O primeiro tipo delas é mostrar que suas objeções não fazem sentido, o que na maioria das vezes é fácil, e, hoje, apesar dos empecilhos mais emocionais que racionais, estão vindo cada vez mais à tona. O que é ruim para a mentira pregada (mesmo que sinceramente) dos deformadores. Deformada, sempre deformando. No segundo tipo se encontram as incoerências do próprio protestantismo em relação à mensagem Cristã, o que mostra que é tudo, menos algo fundado por Jesus.

Dentre esses do segundo tipo, a questão da unidade da Igreja (característica intrínseca de sua natureza) têm despertado as pessoas, um dos principais fatores, hoje, é a clara necessidade de união, sendo que o protestantismo só causa o contrário. Mas mesmo que não houvesse a necessidade, é fato que Jesus declarou que a Igreja deve ser uma. As Escrituras também mostram que as divisões não estão de acordo com o propósito de Deus para a sua Igreja. Cientes disso, algumas pessoas têm tentado contornar o óbvio com desculpas toscas. Ao ler alguns artigos do CACP (Centro Apologético Cristão de Pesquisas, ou, como um amigo gosta de chamar: Centro Apologético “Cristão” de Pesquisas, CA”C”P), encontrei mais um exemplo desse desespero em um texto escrito pelo Sr. João Flavio Martinez. Por isso decidi escrever sobre o assunto, não tratando diretamente palavra por palavra do que o artigo diz, mas mostrando os equívocos além de explicar elementos que foram deixados de lado pelo autor do artigo. Mas antes gostaria de citar algumas perguntas que o Sr. Flávio colocou em sua introdução:

A suposta unidade do catolicismo é sinal de ortodoxia? Existe base lógica para condenar a diversidade nas igrejas evangélicas como sinal de heresia? Até que ponto essa unidade alegada pelo catolicismo é verdadeira? É realmente tão grave esta diversidade no protestantismo a ponto de não nos enquadrarmos na perícope de João 17.22? E a igreja cristã, sempre teve essa unidade que reivindica o catolicismo?

Ele tenta responder as perguntas de moto que fique evidenciado que a Igreja Católica não é Una. Acaba por distorcer as verdades nas Sagradas Escrituras (e da Sagrada Tradição) para convenientemente apoiar sua visão preestabelecida de que as divisões não significam que as diversas igrejas protestantes não estão contrário ao ensinamento apostólico. Pior, tenta argumentar que a Igreja desde sempre possuía divisões. Houve vários equívocos, dentre eles que não existia hierarquia na Igreja primitiva, mas dentre esses equívocos o pior é utilizar de sofismas para defender que a Igreja pode ter diversos ensinos doutrinários e ainda ser uma. Por isso antes de tudo, vamos ver o que as Escrituras ensinam sobre a unidade da Igreja, e a Igreja como um corpo. Não desejo distorcer as escrituras para que seja conveniente a minha visão. Ou seja, mesmo que a passagem se torne algo difícil de explicar diante das supostas divisões da Igreja Católica. Estaria disposto a admitir que assim como os protestantes não são um, a Igreja Católica não é una, se fosse verdade. É claro que aí seria admitir que Jesus errou, pois instituiu uma Igreja Una, onde as portas do inferno não prevaleceriam, mas que o inferno teria triunfado (o que não concordo).

A Igreja é comparada a um corpo, onde cada parte do corpo possui sua função. A mão é diferente dos pés, os pés são diferentes dos olhos e os olhos são diferentes do nariz. Ambos devem estar em perfeita união e concordância. Mas uma pessoa não possui apenas mãos e pernas, mas [uma] mente, um só pensamento. Então, apesar de cada parte do corpo possuir uma [função] diferente, todas essas partes fazem parte do [único] corpo que possui um [pensamento]. Não vários pensamentos divergentes e contraditórios (estamos falando do corpo em que Cristo é a cabeça), mas um só pensamento. Se Jesus Cristo é a Cabeça e Ele é Deus, então não pode haver pensamentos divergentes e contraditórios, pelo contrário, deve haver uma união assim como Jesus é um com o Pai. Uma Igreja que possui divergências doutrinárias não é [uma] Igreja, muito menos é uma [Igreja] de Deus. Pode ser igreja de homens ou do demônio, mas não de Deus.

Jesus disse que devemos ser um assim como ele é um com o Pai (João 17,22). “Como nós somos um”. Jesus demonstra nas Escrituras que é um com o Pai não só em amor, ou em pequenos detalhes, mas em propósito, vontade e, principalmente, ensino. Jesus não ensinava aquilo que seu Pai não havia ensinado, e também não ensinava aquilo contrário ao que seu Pai lhe dizia. Dessa forma, se a Igreja deve ser unida assim como Jesus é com o Pai, ela deve ser unida não somente em questões principais, esquecendo pequenos detalhes, mas até mesmo em questões doutrinárias mínimas (se é que qualquer questão de doutrina é mínima, sendo que a Verdade, que é Jesus, é o que importa, seja ela mínima ou não). Diante disso, vemos descrito por Lucas que "a multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma" Atos 4, 32. Antes de prosseguir, vejamos o que é colocado no texto sobre a Igreja como um corpo:

É uma unidade no Espírito, pois é a vontade de Deus para seu povo (Efésios 4.3 - João 17. 11,20,21).  Assim, a verdadeira igreja de Cristo é invisível e espiritual composta de todas as demais igrejas visíveis pelo vínculo da paz (Hebreus 12.23).  Contudo essa unidade não implica em uniformidade total. É um fato independente da diversidade exterior. A igreja é comparada a um corpo diversificado (I Coríntios 12.13-26) com diversos ministérios e dons; é a diversidade na unidade.  Um bom testemunho disso tem sido a “Marcha para Jesus”, um evento que é realizado no mundo todo e tem tido um crescimento vertiginoso a cada ano. Essa manifestação que inclui centenas de denominações evangélicas é um fato incontestável do que estamos falando.

Ainda comete a tolice de falar em relação a unidade que “com exceção das falsas igrejas (seitas), as igrejas evangélicas possuem de fato”. O que qualquer pessoa sabe que visita tais igrejas sabe que não é verdade. Nem mesmo a “marcha pra Jesus” (?), exemplo dado no texto, é sinal de unidade, pelo contrario, de conveniência, e, como está cada vez mais claro, politicagem. Tanto que nas próprias machas “para” existem evangélicos criticando essas posturas (o que é um sinal de bom senso). Alias, o próprio autor admite isso, falando que a unidade seria nos pontos principais que definem o que é ou não cristão, admitindo assim que, mesmo em questões aparentemente insignificantes (o que não concordo), não há essa unidade. Ou seja: um tipo de união totalmente subjetiva onde se tolera as diferenças mínimas de doutrina e pensamentos, todos considerados seguidores da Verdade, sendo que essa verdade é diferente em detalhes. O que conseqüentemente somos levados a concluir que não seguem A Verdade, pois várias verdades mesmo que diferentes em detalhes, não são uma única verdade, apesar de compartilharem de parte dEla. São diversas mentiras que compartilham características da Verdade, mas não a Verdade. Primeiro confunde a diversidade de [dons] e de [funções] com diversidade [pensamento] (doutrinas). Não dando atenção à exortação do Apóstolo Paulo: “guardai a concórdia com os outros, de sorte que não haja divisões entre vós; sede estreitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar.” 1 Coríntios 1,10. O apóstolo (não esses supostos apóstolos descarados de hoje) fala, assim como já foi explicado através da conseqüência lógica das palavras de Jesus, que devemos estar unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar. Para não dar vazão a mais malabarismos, é bom destacar que esse “estreitamente” ligado não significa que apesar de deverem estar ligados em questões principais, podem discordar em questões não muito importantes, a não ser que alguém queira crer também que esse era o tipo de crença entre Jesus e o Pai a respeito de seus ensinos, a respeito da Verdade (que é o próprio Jesus).

Discordando do ensino apostólico, é dito que podemos discordar em questões negociáveis. Questões que definem quem ou o quê é cristão. Bom, gostaria que fosse sincero consigo mesmo: Se o batismo é apenas simbolismo ou um sacramento é importante ou não? É claro que é importante, mas a hipocrisia faz isso ser considerado negociável. Devemos negociar a Verdade? Jesus está presente no pão e vinho? Alguns protestantes ensinam que sim, outros que não, muitos (como eu antigamente) nem imaginava que a idéia de estar presente de fato no pão e vinho de forma que também é um sacramento. Isso é negociável? Não, não é negociável: a Verdade não é negociável. Mas as igrejas protestantes ensinam de forma diferente negociando a verdade. Parece até mesmo um novo tipo de mercadores da fé, onde não se visa o lucro, mas a conveniência. A Verdade é transformada em questões negociáveis ou não, onde em nome de uma suposta unidade de paz apenas essas diferenças são toleradas. Segundo o autor do texto, itens negociáveis não determinam se a pessoa é ou não cristã. Fico a me perguntar a partir de que padrão podemos determinar se uma pessoa é ou não cristã, e a partir de que padrão objetivo podemos saber quais são ou não os itens negociáveis de uma “verdade que diverge entre si” sendo que os apóstolos ensinaram constantemente o contrário, pois eles ensinaram sobre [uma] Igreja, e por ser [uma] é universal (Católica). Não toquei na questão a universalidade e unidade de crenças por acaso, e sim porque mais um equivoco (cada vez mais surgem equívocos sem tamanho) em relação a Igreja Católica. Ele dá a entender que há diversidade doutrinaria no catolicismo, sendo que não pode haver por definição, pois as crenças da Igreja Católica devem ser universais, por isso quem não possui uma crença contrária, pode ser qualquer coisa menos católico. Mas então, como pode possuir crenças universais se foram apresentadas tantas diferenças? A resposta é que as diferenças  não são em doutrinas estabelecidas, mas em costume e em doutrinas ainda não estabelecidas.  Para um melhor entendimento, decidi tratar em outro item.

- Diversidade na Igreja Católica?

Antes de explicar quais tipos de diferenças existem, penso que seja interessante fazer um resumo de como elas surgiram na história da Igreja. Essa questão então vai aos tempos apostólicos, quando as primeiras igrejas eram fundadas. Depois que os apóstolos fundaram várias comunidades cristãs, certos lideres eram instruídos, inclusive na forma de instruir os novos lideres. Eles possuíam uma mesma fé, passada de forma unanime pelos apóstolos, por isso a Igreja era uma, onde "a multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma”. É claro que algumas questões não estavam completamente desenvolvida, questões como a explicação e conciliação dos ensinos apostólicos. Com o passar do tempo essas comunidades cristãs passaram a expressar a fé de forma diferente, devido a sua cultura e língua. Mas eles não tinham diferenças nas doutrinas, pois acreditavam na Igreja Una, assim como dizem os credos, mas nas [expressões] dessa fé e sua forma de conciliar e explicar o que foi ensinado pelos apóstolos. Como algumas questões foram deixadas em aberto pelos apóstolos, surgiram aparentes divergências doutrinarias, e as vezes divergências de fato, entretanto todos sabiam a necessidade de ter um só pensamento, por isso eram feitos os concílios. Ambos observavam determinada doutrina, e se ela tivesse sido repassada pelos apóstolos aos seus sucessores (e assim por diante), então essa doutrina era aceita por ser Universal (católica). Essa era a forma de decidir os primeiros concílios e sínodos. Concílio, uma palavra que os protestantes poderiam aprender a usar. A forma de expressar era particular em cada igreja, mas a fé era universal (Católica). Os apóstolos também faziam isso, como é demonstrado em Atos 15. Os judeus tinham o costume da circuncisão, como determinava a lei, mas os gentios não precisavam seguir isso por conta da Nova Aliança, mesmo assim o costume dos judeus foi preservado, mesmo sabendo eles que não era algo necessário à Nova Aliança. Dessa forma é totalmente explicável que a questão doutrinaria possa divergir em sua expressão, ou até que ela seja conciliada posteriormente quando a questão se torna resolvida (como foi os exemplos, que não será necessário citar). Foi assim com a Divindade de Jesus, a Trindade, a Infalibilidade Papal e o Canon (não falo do Canon protestante retalhado).

Fica evidente que não é o tipo de diferença que existe nas igrejas evangélicas. É claro que nas Igrejas evangélicas existem aparentes diferenças, mas em outras há diferenças doutrinárias de fato que estão contrárias ao ensino apostólico, principalmente o da unidade que não se pode mais assumir.

No mais, Sr. João Flavio Martinez, gostaria que mostrasse de forma mais detalhada os “77 pais que comentaram este verso apenas 17 opinaram que se refere a Pedro”, e o fato deles terem comentado como não se referindo a Pedro significasse que eles não acreditavam nisso. Várias pregações, por exemplo, são feitas sobre determinados trechos bíblicos, o que não significa que o pregador não acredita na questão fundamental ensinada. Seria interessante também notar a diferença da Igreja Católica no México que não faz parte da Igreja Católica Apostólica Romana, e é sim mais uma seita como as igrejas protestantes que surgem a cada descobrimento da América.

Em resumo, a Igreja de Cristo deve ser uma, mas pode divergir em [expressões] da única fé que seguem (Romanos 14, por exemplo), mas não nas questões de fé (depois de terem sido resolvidas).

O protestantismo falha em ser um assim como o Pai é um com Jesus, e assim como os primeiros cristãos eram um: em vontade, crenças e amor (deixando de lado, assim, certos costumes). No entanto, se o Espírito de Deus tivesse dado inicio a “deforma protestante”, ambos reformadores saberiam das doutrinas que estavam erradas e não divergiriam tanto formando essa Babel Doutrinária onde a única coisa que concordam é que devem criticar a Igreja Católica a qualquer custo.

A Igreja de Cristo só pode logicamente subsistir na Igreja Católica, pois é este corpo em unidade que possui as características da Igreja que Jesus disse que as portas do inferno não prevaleceriam. Afinal, há um só Deus, um só Espírito Santo, um Senhor, uma só Igreja, e uma só fé.

Autor: Jonadabe Rios

domingo, 12 de dezembro de 2010

Entendendo a Inquisição I: – A Igreja após a queda de Roma

Antes de falarmos diretamente sobre Inquisição, é preciso que entendamos como a Igreja estabeleceu-se de maneira tão profunda na cultura européia.

É sabido por artigos anteriores que os primeiros católicos foram severamente perseguidos por Roma nos primeiros séculos da era cristã. Motivados pelo fato de os cristãos não aderirem aos cultos pagãos (em sua maioria a própria figura divinizada do imperador) e professarem uma fé universal (por isso católica) em Cristo Jesus, os romanos atiravam cristãos aos leões nos circos e arenas promovendo espetáculos que tinham intuito de promover entendimento e coibir a conversão ao cristianismo.

Porem, como disse o escritor Tertuliano, convertido ao cristianismo depois de muitos anos combatendo-o veementemente, “O sangue dos mártires é a semente dos cristãos”. Assim, cumpria-se cada vez mais a promessa de Nosso Senhor a Pedro, garantindo que as portas do inferno não prevaleceriam e nem prevalecerão sobre a Igreja (Mt 16,18).

O fruto desta Santa Resistência foi colhido apenas no século IV, quando o imperador Constantino no ano de 313 declarou licito o culto cristão e além disso o tornou religião oficial do Estado.

Porem, crises financeiras e muitas disputas internas e externas por poder faziam com que o império se enfraquecesse. Os frutos deste enfraquecimento foram diversas guerras internas que inicialmente dividiram o império romano em dois. O Ocidental, com capital em Roma e um Oriental, com capital em Constantinopla.

Este enfraquecimento fez com que diversas invasões de povos Bárbaros (palavra oriunda de blá-blá-blá, ou seja, povos que falavam línguas que não se compreendia em Roma) vindos de todas as direções e que avançavam aos poucos pelas fronteiras do Império Romano Ocidental.

Godos, ostrogodos, visigodos, suevos, francos, germânicos, eslavos (compreendendo centenas etnias e tribos diferentes), vândalos, saxões, anglos, unos são exemplos de tribos bárbaras que aos poucos foram conquistando a Europa, reduzindo assim as fronteiras até o ponto de tomarem a capital romana oriental em 476 dc, o bárbaro Odorico depôs Rômulo Augusto e proclamou-se “patrício” dos romanos.

Um longo processo de modificação do império teve inicio, sempre embaixo de guerras sangrentas, cruéis perseguições, massacres, intolerância que moldaram o que viria a ser a sociedade medieval dos séculos seguintes.

Você pode estar se perguntando, como a Igreja se enquadrou neste turbilhão de transformações politicas, sociais, ideológicas e religiosa.

Sem duvida nenhuma se hoje você está lendo este artigo, seja você católico ou não, deve muito a Santa Igreja de Cristo. O fato de ela ser Católica (professa a mesma fé da mesma maneira em todos os lugares, ou seja, universal) foi vital para que a sociedade ocidental que conhecemos hoje se estabelecesse.

Todos esses povos que citamos acima, estavam longe de viverem em harmonia entre si. É fato conhecido que inúmeras e violentas guerras entre estas tribos foram travadas e a ação pacificadora da Igreja foi fundamental para que a paz fosse estabelecida entre esses povos.

Outra coisa que é importante lembrar é que todos esses povos eram nômades, isto é, viviam em acampamentos temporários, consumindo os recursos de uma determinada região e quando estes se esgotavam, dirigiam-se para outro lugar, o que gerava conflitos com possíveis grupos que por acaso já estivesses na região. Não havia cultura entre esses povos. Arte e ciências eram extremamente escassas, assim como tratamentos de saúde, educação, e serviços básicos que os romanos já a muito gozavam.

Neste cenário, o conhecimento arreigado pela Igreja de agricultura, letras, ciências e medicina propiciaram que esses povos se fixassem em um local (sedentarismo), extinguindo a necessidade de deslocamentos e guerras por territórios provisórios.

Já no século III, um movimento maravilhoso surgiu no seio da igreja. O monaquismo (vida em regime monastico, ou seja, como um monge). Porem foi no século IV e V que o movimento se expandiu com força extraordinária, muito em função de um gigante da Igreja e com certeza uma das pessoas mais influentes e importantes da história humana. Este homem foi São Bento (480-547) que com sua humildade, cultura extraordinária e sua Regra propiciaram a crianção de um método simples e muito efetivo de evangelização e educação dos povos bárbaros, unindo-os pela fé no Cristo e na Santa Igreja.

Foram os Beneditinos (Monges Seguidores da regra de São Bento) que literalmente colonizaram a Europa, aplacando conflitos e divergencias sociais.

Em nossos dias, podemos ver que diversas cidades européias tem seu marco zero um mosteiro, uma paróquia ou uma catedral (Pariz – Notre-Dame; Londres –Canterbury; Cassino – Abadia Monta Cassino, dentre outras) . Isto acontecia pelo fato desses monastérios possuirem escolas, hospitais, artes e catequese acessíveis a todos os níveis sociais.

Os monges ensinaram os bárbaros o cultivo da terra, leitura, escrita, artes, mossonaria (arte de construir com blocos de pedra, tijolos e alvenaria), ciência naturais e exatas (engenharia, geometria e matemática).

Não é dificil assim vermos que toda sociedade a partir da alta idade média (476-1000 DC) foi construída sobre as bases fundamentais do cristianismo católico e sem ele, a sociedade bárbara iria se auto-destruir por seus métodos violentos e desumanos.

É importante ver que muitos destes resquicios, apensar dos grandes esforços da Igreja, continuaram por muitos e muitos séculos subsequentes, impelindo a Igreja a combater tais costumes de maneira veemente e incansável.

Ficamos por aqui. Espero que este artigo seja de muita utilidade para você amigo leitor intender a importância da Santa Igreja de Cristo para a história do mundo ocidental e os motivos pelo qual o Estado e a Igreja eram tão interligados. Afinal, sem a universalidade(catolicismo) da igreja, provavelmente o mundo seria bem diferente do que conhecemos hoje.

No próximo artigo, abordaremos o comportamento social, politico e judicial na Idade Média. Iremos abordar a mentalidade popular deste período, costume e ver descobrir por quê alguns métodos jurídicos e penais atribuídas de maneira erronea a Igreja na Inquisição eram na verdade costumes bárbaros cuja Igreja era veemente contrária e feroz combatente, ao ponto de excomungar reis e membros do alto escalão da nobresa da época.

Um abraço a todos e até o próximo artigo. Que o amor do Pai, a comunhão do Filho e a fortaleza do Espirito Santo estejam com todos vocês!!!

Fonte: www.veritatis.com.br

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Forma e peculiaridade da literatura de Israel

O Antigo Testamento é parte integrante de nossa Bíblia cristã. Justamente nos últimos anos ressurgiu mais e mais do esquecimento e tornou a assumir seu lugar incontestado na pregação.

É, todavia, sempre um segmento reduzido do grande todo do Antigo Testamento que se nos apresenta. E quem procura penetrar mais fundo neste livro e lê, inclusive, trechos maiores do Antigo Testamento, deparar-se-á constantemente com dificuldades. Essas são, muitas vezes, de caráter externo. Simplesmente não compreendemos muitas coisas, esbarramos em contradições ou em fatos que nós cristãos achamos estranhos.

Temos, p. ex., logo no início da Bíblia, dois relatos distintos sobre a criação. O leitor imparcial imediatamente notará que um não é mero complemento do outro; pelo contrário, os relatos apresentam duas exposições bem diferentes do processo da criação do mundo. O primeiro relato é bem sistemático na seqüência das obras dos sete dias. (Compreende o trecho de Gn 1.1 até a primeira frase de Gn 2.4, que forma o epílogo.) De acordo com este relato, tudo se originou aos poucos do nada caótico, mediante a vontade criativa e ordenadora de Deus Criador, a começar pelos elementos inânimes, passando pelo reino vegetal e animal até o ser humano. Conforme esse relato, Deus cria apenas através de sua palavra eficaz.

Bem diferente é o segundo relato. (Começa em Gn 2.4b: “Quando o Senhor Deus fez o céu e terra...”.) Aqui o estado caótico primitivo não é a água, mas a seca. No princípio da criação está o ser humano. Em seu redor são criados, então, o reino vegetal e o reino animal. Esse relato é bem mais ingênuo e plástico, representando, p. ex., a atividade criadora de Deus como a do oleiro que forma um vaso de barro. E em todo este conjunto é visado, exclusivamente, o espaço vital imediato do ser humano.

É evidente que aqui foram colocados lado a lado dois relatos de criação distintos que originalmente eram independentes. Originaram-se em tempos e de autores diferentes, que, com respeito à criação, foram movidos por interesses bem diferentes.

Já este exemplo nos pode mostrar que no caso do Antigo Testamento temos diante de nós um livro que cresceu paulatinamente. Em sua forma atual constitui o resultado de uma longa história. Foi chamado, certa vez, de “o livro que cresceu durante mil anos”. Nele encontramos reunidos os testemunhos de fé do povo de Israel, procedentes de muitos séculos.

Em cada geração se levantavam de forma nova as perguntas que resultavam da fé de Israel em um só Deus e seu agir na história com seu povo. E cada geração tinha que dar as suas próprias respostas. Tudo isso se documentou, nas mais diversas formas, nos textos agora reunidos no Antigo Testamento.

No início deste processo de crescimento está a palavra falada e transmitida oralmente. As histórias vivas e coloridas sobre os patriarcas, p. ex., foram, com certeza, contadas e recontadas através de muitas gerações antes de serem fixadas por escrito. Neste transcurso, naturalmente, também alteraram, amiúde, sua forma, assumindo novos traços característicos enquanto que outros perderam sua importância para uma geração nova. Ou ainda, vejamos as palavras dos profetas: foram pronunciadas em uma determinada situação histórica e depois transmitidas, também, oralmente antes de alcançarem sua forma literária final.

Algo semelhante também sucedeu com os textos restantes do Antigo Testamento. Somente aos poucos formaram-se coleções menores ou maiores de textos congêneres ou da mesma origem. O resultado final desta história movimentada são os diversos “livros” do Antigo Testamento, na forma como atualmente os encontramos na Bíblia.

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A história do Antigo Testamento se estende desde a imigração dos israelitas na Palestina, no século XIII a.C., até os últimos séculos antes da era cristã.

Os textos mais antigos são, com freqüência, cânticos ou ditos que facilmente se gravaram na memória e que, por isso, se conservaram por muito tempo. Um exemplo é a “canção de vitória” de Miriam, em Êx 15.21, que canta a destruição dos egípcios no mar. Outro é a canção de Lameque, em Gn 4.23-24, uma “fanfarronada” que fala de cruel vingança de morte; ou, então, a “canção do poceiro” em Nm 21.17-18, que se deve imaginar cantada durante a cavação de um poço. Mas também canções mais extensas, como p. ex., a magnífica canção de Débora em Jz 5, provêm de tempos muito mais remotos.

Tradições muito antigas estão conservadas também sob a forma de provérbios populares, como ocorre em toda parte do mundo. Citam-se tais provérbios explicitamente diversas vezes (p. ex. 1Sm 24.14; Ez 16.44), e ainda em muitas outras passagens podem ser descobertos durante a leitura. Os provérbios foram especialmente cultivados no Antigo Israel, quando, após a faina diária, as pessoas se reuniam junto ao portão. Os provérbios alcançavam forma artística na corte real, conforme relatam notícias do tempo de Salomão (1 Rs 5.11-12).

Já em tempos antigos passou-se a colecionar estes provérbios e cânticos. Prova disso são algumas passagens em que se citam tais coleções, das quais, porém, nada mais sabemos. Assim é mencionado, em Js 10.13 e 2Sm 1.18, o “livro do valente”, e em Nm 21.14, o “livro das guerras de Javé”.

Porém, desde os tempos mais antigos, circulavam também contos. Exatamente como em outros povos, trata-se, sobretudo, de “sagas” (lendas) que falam dos acontecimentos e vultos da história primitiva de Israel. O termo “saga” expressa que esta não é motivada por interesse histórico, querendo fixar exatamente a seqüência dos eventos. A saga apresenta em cores vivas o que é o característico da época e dos respectivos personagens, conforme se conservou vivo na consciência do povo. Por isso, as sagas são mais do que simples contos de eventos passados. Nelas o passado está presente como parte integrante da própria história daqueles que as narram e ouvem. Reconhecem, naquilo que Abraão, Jacó e Moisés experimentaram, uma representação de suas próprias experiências que tiveram e ainda têm. Israel entende sua história sempre como a história com Deus. E como Ele agiu com os patriarcas, livro a geração posterior do Egito e a levou para a terra prometida, assim Deus está agindo com seus povo em todos os tempos. Deste modo, estas sagas representam, com toda a sua vivacidade narrativa, muitas vezes, uma profunda profissão de fé.

Uma historiografia propriamente dita existiu em Israel mais ou menos desde o tempo de Davi. Ocupa-se, principalmente, com acontecimentos políticos. Assim, acham-se descritos, no 1º livro de Samuel, a origem do reinado e a ascensão de Davi; no 2º livro de Samuel trata-se da consolidação e expansão do reino de Davi e das tramas em torno do problema da sucessão no seu trono. Os livros dos Reis apresentam, a seguir, o governo de Salomão como o último período glorioso do Reino Unido, bem como a divisão em um Reino do Norte e um Reino do Sul e a queda paulatina até o fim total da existência política independente do povo de Israel.

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As sagas do Antigo Testamento têm muitas vezes uma intenção explicativa específica. Fala-se, nesse caso, desagas etiológicas (do grego aitia, causa). Assim, p. ex., a narração da queda dos primeiros seres humanos quer explicar a origem dos distúrbios na vida humana. A sinistra inimizade mortal entre o ser humano e a serpente, os incômodos de maternidade da mulher, aliás, em tensão misteriosa com sua inclinação para o marido, e a fadiga do trabalho do ser humano são as conseqüências da primeira desobediência humana a Deus (Gn 3.14-19). A narrativa da construção da torre de Babel (Gn 11) responde à pergunta pelo motivo da divisão da humanidade em uma pluralidade de povos e línguas tão diferentes. Outras sagas etiológicas explicam a peculiaridade de tribos e povos, conhecidos de Israel por serem seus vizinhos. A posição subalterna dos aborígenes cananeus não expulsos pelos ismaelitas é explicada como conseqüência de uma falta grave do pai, Canaã (Gn 9.25). A natureza selvagem e agressiva dos beduínos ismaelitas é atribuída, na saga, ao comportamento rebelde de sua mãe, Hagar (Gn 16.12) etc.

Freqüentemente, essas sagas etiológicas também querem explicar determinados nomes. Para este fim, faz-se uso de trocadilhos de palavras hebraicas, dificilmente traduzíveis para o vernáculo. No nome Isaque, em hebraico, ressoa a palavra “rir” (Gn 21.6); o nome de Jacó se assemelha ao som das palavras “calcanhar” (Gn 25.26) e “enganar” (Gn 27.36); o nome Israel é interpretado como “o que luta com Deus” (Gn 32.29[28]). Tais etiologias encontram-se a cada passo e mostram a intenção destas sagas de interpretar e compreender seu passado.

Uma forma especial de saga etiológica constituem os textos que tencionam justificar a santidade de um lugar. Assim exclama Jacó, após o sonho da escada ao céu: “Quão temível é este lugar! Aqui é a casa de Deus (Bet-El)!”, e erige lá um santuário (Gn 28.17ss). Por causa desta aparição da divindade em sonho, portanto, o lugar é sagrado. Algo semelhante ocorre com os santuários de Manre, onde três homens aparecem a Abraão (Gn 18), e de Peniel, onde Jacó teve que travar uma luta noturna (Gn 32.25ss).

Já em tempos mais remotos, “ciclos de sagas” formaram-se de várias sagas individuais que tratavam das mesmas pessoas. Assim, as ocorrências que sucederam entre Abraão e Ló foram contadas numa seqüência narrativa (Gn 13; 18-19); igualmente existia um ciclo de sagas de Jacó e Esaú (Gn 25.19ss; 27; 33), e outro de Jacó e Labão (Gn 29-31). Nestes dois últimos, pode-se ver nitidamente qual o processo que levou a estas coleções maiores. Os dois ciclos que tratam de Jacó foram estreitamente ligados entre si. Embora contivessem material muito heterogêneo, os narradores conseguiram plasmar uma imagem completa do personagem Jacó. Nisto se revela uma arte de contar mais desenvolvida. Sob aspectos literários, quase se poderia chamar este conjunto de “novela”. Ainda mais evoluída é a forma artística na história de José. Traço a traço é reconstituído o destino de José. Contudo, não se fala exclusivamente de José; entram em cena também diversos atores coadjuvantes. O resultado é uma contextura artística d vários fios magistralmente entrelaçados pelo narrador.

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Além de ditos, cânticos e sagas, foram transmitidas, desde os primórdios de Israel, também leis das mais diversas espécies. O seu conteúdo é muito abrangente: vai desde a exigência de adorar exclusivamente o Deus único até a regulamentação do dever de restituição em casos de danos causados por um animal; do mandamento do amor ao próximo até as prescrições exatas sobre o vestuário dos sacerdotes.

Mediante critérios externos e internos podem ser distinguidas, claramente, diversas classes de leis. Em primeiro lugar, há disposições que começam por “se” e expõem um “caso” com precisão (p. ex. Êx 21.18ss). Essas leis “casuísticas” tratam de casos litigiosos da vida diária e se destinam para o uso na comunidade judicial. Esta se reunia na praça junto ao portão sempre quando era preciso julgar um processo. Juízes profissionais não os havia, mas essa função era exercida pela totalidade dos cidadãos plenos, que também tinham direito a voz e voto. Ajuda importante neste julgamento representavam as sentenças casuísticas, que eram transmitidas de geração a geração. Um exemplo vivo de como funcionava a comunidade judicial encontramos no cap. 4 de Rute.

De natureza bem diferente são as sentenças que simplesmente expressam um mandamento ou uma proibição sem quaisquer condições ou restrições: “tu farás” ou “não farás” (p. ex. Êx 20.2ss). Este direito “apodítico” tem sua origem na esfera do culto. Era recitado de forma solene no culto, provavelmente por ocasião de uma festa que lembrava a renovação da Aliança entre Deus e o povo, estabelecida no monte Sinai. E nesta ocasião eram recitadas as leis apodíticas – especialmente o “Decálogo” – como sendo manifestação da vontade divina que estabelece esta Aliança.

O “direito casuístico” é congênere, segundo sua forma e seu conteúdo, ao direito usado em todo o Antigo Oriente; o paralelo mais interessante, com correspondências parcialmente literais, oferece o Código babilônico de Hamurábi (por volta de 1700 a.C.).

O “direito apodítico”, por outro lado, é genuinamente israelita; é compreensível somente a partir da peculiaridade da fé veterotestamentária e pertence a seus elementos mais antigos. Ambos os gêneros legais se fundem no Antigo Testamento.

 Outra espécie de norma legal ocupa-se com questões que afetam o culto. Assim, p. ex., são descritos minuciosamente os rituais que fazem parte do ato de sacrifício (Lv 1-5), são compilados, para uso por parte do sacerdote, detalhes técnicos sobre como oferecer o sacrifício (Lv 6-7), ou sobre pureza e impureza ritual ( Lv 11-15). Estes textos formam a base da instrução sacerdotal dos leigos sobre assuntos cultuais. Em geral, porém, provêm de épocas mais recentes do que as leis casuísticas e apodíticas.

No Antigo Testamento, as diversas leis foram conservadas em uma série de coleções. A mais antiga é o “Código da Aliança” (Êx 20.22-23.19). Reúne em si leis apodíticas e casuísticas. O Deuteronômio contém, igualmente, muitas leis antigas nos caps. 12-26, que foram entremeadas e ampliadas por frases explicativas e exortativas: aqui a lei é pregada! Uma coleção semelhante, todavia com determinações preponderantemente cúlticas, encontramos também na “Lei de Santidade” (Lv 17-26). Sua exigência básica está resumida na sentença: “Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (19.2). Finalmente, os caps. 1-16 de Levítico reúnem diversas coleções menores com disposições rituais.


Fonte: A formação do Antigo Testamento, ROLF RENDTORFF

domingo, 5 de dezembro de 2010

Afinal, qual a lógica da ressurreição?

Não pretendo tratar aqui a questão de como a ressurreição é possível e vai ser feita, já que se Deus existe e possui as características que a Teologia Cristã atribui, então não é impossível que ela ocorra. Algumas pessoas acham possível para Deus criar o mundo ex nihilo, espíritos com capacidades impressionantes e a possibilidade de reencarnações sucessivas de seres humanos, mas não a de uma “simples” ressurreição.

Parecem crer num Deus que possui a habilidade de criar a vida do nada, mas não consegue fazer com que essa vida que havia criado da matéria inanimada se torne animada mais uma vez.

É claro que na ressurreição o que ressurge nem sempre se refere ao material exato que a pessoa possuía ao morrer, e sim a forma que o faz [alguém], um “eu” diferente dos outros e com suas características pessoais, o que só é problema para seres limitados e não a um Ser do qual nada maior se pode imaginar. Nós, por exemplo, constantemente somos regenerados com um novo material quando possuímos algum ferimento.

Também não penso ser importante o que alguns citam como motivo para desacreditar na ressurreição questões como a idade das pessoas ressurretas. Isso, na minha sincera opinião, não passa de desculpas esfarrapadas pra quem quer arrumar um motivo pra dizer que possui algum porquê de não crer na ressurreição.

A questão principal não é essa. Se Deus prometeu ressuscitar os seres humanos, e prometeu que o que há de vir será muito bom, Ele sabe mais do que nós mesmos o que vai ser melhor (afinal, é o nosso Projetista), inclusive a idade, que não importa sabermos pra poder ver sentido.

As questões que realmente importam, e ultimamente tenho visto, são um pouco diferentes dessas primeiras (e bem mais importantes), e devem ser respondidas pressupondo que Jesus teria ressuscitado. Melhor, para um sentido completo, deve-se levar em consideração toda a história da salvação registrada nas escrituras. Não crer, apenas pressupor.

Mas afinal, qual é a lógica, ou melhor, o sentido da ressurreição? Além do sentido da nossa ressurreição futura, qual é o sentido da ressurreição de Jesus além da repetida conseqüência expiatória? Teria alguma importância para sua mensagem se Ele (Jesus) ressuscitou de fato ou não? O que é que os cristãos primitivos ensinavam? E o que o real significado da ressurreição de Jesus implica para nossas vidas e para o mundo?

Segundo os primeiros cristãos, o mundo havia decaído e estava corrompido. O mundo precisava de restauração e Deus prometeu restaurá-lo. De tempos em tempos surgia um sinal Divino dessa intervenção, seja pela mensagem dos profetas, ou por acontecimentos ligados a Israel que não estavam ligados necessariamente a essas mensagens proféticas. Nessa história, surge a esperança da ressurreição final dos mortos, onde Deus julgará cada pessoa e restaurará a natureza.

Antes da ressurreição de Jesus todos os seus discípulos, assim como os outros judeus, acreditavam que essa restauração se daria nesse dia da ressurreição final quando Deus irá restaurar o que criou.

Esse é o primeiro ponto sobre o sentido da ressurreição. Para Deus, o mundo em si não é ruim, e Ele não deixará sua criação à toa, pelo contrário, irá restaurá-la assim como ela estava no momento em que viu que era boa. Seria a Nova Criação de Deus, mas vamos tratar disso melhor adiante.

Diferente da expectativa dos judeus (incluindo seus discípulos), Jesus ressuscitou após a sua morte. Além do significado referente à morte expiatória, explicada pelo próprio Senhor depois de ressurreto, houve outro entendimento dos cristãos (passado por Ele ou pelo Espírito Santo) das conseqüências da ressurreição o Mestre. Esse entendimento foi sobre a antecipação em Jesus do que acontecerá com o mundo.

Se a Nova Criação de Deus começa na ressurreição e Jesus ressuscitou, então a Nova Criação de Deus já começou. Mas se todos os mortos ainda não ressurgiram isso significa que Ele é a finalidade, o futuro da humanidade apresentada no presente de modo que o presente possa ser transformado à luz desse futuro glorioso começado por Jesus Cristo.  Não só o futuro da humanidade, mas de toda a criação a ser restaurada (ou feita viva novamente), e a garantia disso tudo é esse futuro que já começou com Jesus ressuscitado.

Isso claramente cria uma responsabilidade que os cristãos têm negligenciado, principalmente por acreditarem em conceitos sobre o fim do mundo, “ir para o céu” (acredito em um estado intermediário, mas não como finalidade do homem) e esperar a volta de Jesus. Como N. T. Wright disse “Se Deus queria que o mundo acabasse e o Armagedom estava às portas, por que se preocupar com o fato de grandes empresas, como a General Motors, continuarem a lançar gases venenosos na atmosfera canadense? [...] Se a intenção de Deus é conduzir o mundo a sua destruição total, qual é o problema? Se o Armagedon está às portas, não faz diferença o (e suspeito que isso realmente faça parte da agenda) o fato de a General Motors lançar gases venenosos na atmosfera canadense”. [Surpreendido pela esperança, p 135 e 136]

Transformar o mundo presente à luz do futuro é feito cumprindo a mensagem de Jesus. Amar a Deus acima de todas as coisas, ao próximo como a si mesmo resume todo esse ensino. Amando a Deus conseqüentemente implica em amar o próximo, mas não só ele, e sim a sua criação. Assim, possuímos plena responsabilidade não só com as pessoas, mas com a natureza, e isso acaba com a acusação de que a crença cristã (principalmente na volta de Jesus) nos livra dessa responsabilidade, quando na verdade é o contrário.

É bom lembrar que esse Reino pregado por Jesus Cristo foi também ensinado como parábolas, como uma planta que sua semente é pequena, mas que cresce até dar frutos. Ou como uma farinha fermentada, e, talvez um dos exemplos mais esclarecedores, a Parábola do Joio e do Trigo.

Isso explica perfeitamente que, apesar das aparências, o Reino está a se manifestar e se manifestará completamente, assim como a semente pequena que dá uma grande árvore. Entretanto, enquanto não é manifesto totalmente, há joios no meio do trigo, o que faz algumas pessoas pensarem que Jesus não está a reinar.

É óbvio que os cristãos têm sido um tanto desastrosos, mas isso além de ser previsto, mostra mais uma vez que a “porta é estreita” e não serão muitos os que entrarão por essa porta.

É claro, também, que não estou a falar da salvação por obras, nem que somos salvos por agir dessa forma. Estou me referindo às conseqüências da ressurreição de Jesus para a humanidade e o cosmos, qual seu sentido, e como Deus, segundo a Teologia Cristã, não abandonará o mundo, ao contrário de outros tipos de pensamentos, onde esse mundo é mau em si (ou, em alguns casos, irrelevante, sem importância) e que seremos libertos quando sairmos desse corpo para algo melhor. Os discípulos de Jesus ensinaram também de algo melhor, mas esse algo melhor que faz parte da esperança primitiva é a restauração do mundo, “o Novo Céu e Nova Terra”, o cumprimento da promessa de que Deus não abandonaria o mundo, pois criou e viu que era bom.

Isso também me faz pensar na questão de Jesus como o Messias. Os primeiros cristãos não pareciam pensar que “Jesus ressuscitou, portanto é o messias”, mas que Ele é o Messias, cumpriu algumas profecias, ressuscitou para cumprir outros propósitos de Deus (alguns já foram mencionados) além das outras profecias que cumprirá nesse futuro que já pode ser experimentado de alguma forma no presente.

O significado da ressurreição não é apenas o que coloquei aqui, mas esse é um dos que considero como mais negligenciados. As Escrituras, assim como a Tradição Cristã, mostram seus outros significados e implicações para o Cristão e o Cosmos. Resta a quem desejar conhecer a mensagem cristã (principalmente o que faz parte da crença cristã primitiva) buscar entender melhor esse assunto. Acho interessante o que N. T. Wright mostra sobre essa visão, inclusive no livro “Surpreendido pela Esperança” (que tirei várias idéias para escrever esse texto).

Então, está aí uma pequena explicação, e uma boa dica de leitura.

Autor: Jonadabe Rios

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Palavra de Deus encarnada

José Antonio Pagola


Assim é chamado Jesus numa espécie de "prólogo" com o qual inicia o evangelho de João. Depois a expressão desaparece inclusive neste mesmo evangelho. Ninguém volta a falar assim nas primeiras gerações cristãs. No entanto, esta expressão servirá mais tarde para aprofundar a partir da fé cristã, o próprio núcleo do mistério encerrado em Jesus.

Na terminologia deste prólogo está ressoando a categoria grega de Logos, a fé judaica na "Palavra" de Deus e a meditação sapiencial sobre a "Sabedoria". Como se sabe, na cultura grega sente-se a realidade como impregnada de racionalidade e sentido; a realidade não é algo caótico e incoerente; nela há Logos; as coisas têm sua "lógica" interna. Por outro lado, de acordo com a fé judaica, Deus não tem imagem visível, não pode ser pintado nem esculpido; mas tem voz; com a força de sua "Palavra" cria o universo e salva seu povo. Por isso, segundo a tradição sapiencial de Israel, o mundo e a história humana não constituem uma realidade absurda, porque tudo é sustentado e dirigido pela "Sabedoria" de Deus.

Este precioso hino joânico realça sobretudo a fé judaica. A Palavra está já "no princípio" de tudo. Não devemos entender esta Palavra como algo criado. Esta Palavra é o próprio Deus falando, comunicando-se, revelando-se na criação e na história apaixonante da humanidade. Tudo é criado e dirigido por essa Palavra. Por toda parte podemos intuir suas pegadas. Nessa Palavra está a "vida" e a "luz verdadeira" que ilumina toda pessoa que vem a este mundo. No mundo há também trevas, mas "a luz brilha nas trevas".

Tudo isto é crido pelos judeus e pode ser aceito por muitas pessoas de cultura grega. O insólito é a audaz proclamação que vem em seguida: "A Palavra de Deus se fez carne e habitou entre nós". Agora podemos captar a Palavra de Deus feita carne neste profeta da Galiléia chamado Jesus. Não é fácil. De fato, ele veio ao mundo e o mundo não o reconheceu; nem sequer os seus o receberam. Mas em Jesus Cristo nos está sendo oferecida a "graça" e a "verdade". Ninguém pode nos falar como ele. Deus assumiu carne em Jesus. Em suas palavras, seus gestos e em sua vida inteira estamos nos encontrando com Deus. Deus é assim, como diz Jesus; olha as pessoas como Jesus as olha; acolhe, defende, ama, perdoa como Jesus o faz. Deus se parece com Jesus. E não é só isso. Jesus é Deus falando-nos a partir da vida frágil e vulnerável deste ser humano.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

10 coisas que muitos católicos deveriam saber, mas não sabem.


1 - Ser católico não é fazer parte de uma religião que a família sempre seguiu e continuar vivendo como se nem mesmo Deus existisse.

2 - Maria é chamada Mãe de Deus, não porque ela possui a mesma natureza Divina ou porque gerou a natureza Divina, e sim porque gerou a natureza humana da Segunda Pessoa da Trindade, Jesus, quando se fez carne. Ou seja, ao chamá-la de Mãe de Deus estamos simplesmente reafirmando a Divindade de Jesus.

3 - As imagens são apenas representações de algo.

4 - Sincretismo religioso, principalmente na forma que acontece com as religiões afro, não fazem parte de fato do catolicismo, e isso só faz escandalizar.

5 - Um católico não pode ser espírita, e vice-versa. O Espiritismo, apesar de se utilizar de aparências cristãs, é apenas na aparência mesmo. Tal religião nega boa parte dos ensinamentos cristãos a respeito de Jesus, Deus, da natureza humana, das conseqüências do pecado e a esperança da ressurreição. Tais negações foram feitas também por diversos movimentos, mas os cristãos primitivos sempre os combateram, reafirmando sua fé, e não se enganaram com as aparências, afinal, ao contrário de muitos hoje, eles conheciam a doutrina apostólica.

5 - Não existe Bíblia sem a Igreja. Foi a Igreja que escreveu a Bíblia (os livros Neotestamentários), bem como é responsável por sua preservação e reconhecimento dos livros que devem ser considerados inspirados.

6 - Há uma falta de maturidade por parte de alguns em relação aos santos cristãos, pois estes algumas vezes recebem glórias que somente deveriam ser dadas a Deus. De veneração, passa a algo muito parecido com a adoração, o que causa também muito escândalo.

7 - Qualquer imagem de Jesus Cristo, Maria ou outros santos não devem (e não servem pra isso) ser utilizados de amuleto de sorte ou objeto contra o mal. Tais imagens em sí não oferecem nada, além de que o cristão deve depositar sua confiança na providencia divina.

8 - Um católico não  deve crer necessariamente em qualquer suposta aparição ou visão de Jesus ou algum santo. Não estou a dizer que não se deve acreditar em nenhuma, mas que deve-se avaliar o que afirmam de acordo com as Escrituras, a Tradição e o Magistério da Igreja.

9 - Jesus Cristo é Totalmente Deus e Totalmente homem. (Sim, alguns que se dizem católicos não acreditam em tais doutrinas)

10 - Se você não crê nas doutrinas Católicas já estabelecidas, e sabe que a Igreja ensina o contrário do que você acredita, não adianta insistir, você não é católico. O nome "católico" veio da organização primitiva, onde os primeiros cristãos possuíam crenças comuns e universais. Desde o inicio, os que não acreditavam nesses ensinos universais recebidos pela tradição não eram considerados católicos, afinal, possuíam crenças particulares e diferentes das quais a Igreja recebeu pela tradição apostólica.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Critério para estabelecer a veracidade do material histórico

Bart D. Ehrman

Nota do blog: Apesar de não concordar com muita coisa que Ehman diz, ele também nos passa várias informações interessantes. Já postei sobre os métodos para estabelecer a veracidade do material histórico, mas achei interessante colocar o que ele disse.

1 – Quanto mais antigo, melhor. Como as tradições sobre Jesus mudaram com o tempo à medida que as histórias sobre eles eram contadas e recontadas, e como as fontes escritas foram alteradas, ampliadas e editadas, faz sentido que as fontes mais antigas sejam mais confiáveis do que as posteriores. Como regra, Evangelhos do século VIII não são tão confiáveis quanto os do século O (embora possam ser uma leitura extremamente agradável).

João é o último dos quatro Evangelhos do Novo Testamento e tende a ser menos confiável historicamente do que os outros. Ele apresenta visões de Jesus que representam desdobramentos posteriores da tradição – por exemplo, a de que foi o cordeiro da Páscoa que morreu no dia em que os cordeiros da Páscoa foram sacrificados, ou a de que ele alegava ser igual a Deus. Isso não significa que possamos descartar completamente tudo o que se encontra em João. Pelo contrário, também precisamos aplicar ao seu relato os outros critérios. Mas, em geral, quanto mais antigo, melhor.

Nosso mais antigo Evangelho remanescente é o de Marcos,  e ele pode conter informações mais confiáveis do que João. Mas Marcos não foi a única fonte dos Evangelhos posteriores. Provavelmente foi fonte de outro Evangelho que pode ter sido produzido na mesma época que o de Marcos, mas não preservado. Em um capítulo anterior, chamei atenção para o fato de que Mateus e Lucas tiraram muitas de suas histórias de Marcos, que utilizaram como fonte. Há em Mateus e Lucas muitas outras tradições que não são encontradas em Marcos. A maioria delas, mas não todas, são falas de Jesus, como, por exemplo, o Pai- Nosso e as bem-aventuranças (presentes em Mateus e Lucas, mas não em Marcos). Como os Evangelhos não poderiam ter tirado essas tradições de Marcos, onde as conseguiram? Há bons motivos para acreditar que Mateus não as tirou de Lucas, nem Lucas as recebeu de Mateus. Assim, desde o século XIX os estudiosos sustentam que ambos as conseguiram em uma outra fonte. Os estudiosos alemães que conceberam essa ideia chamaram essa outra fonte de Quelle, a palavra alemã para “fonte”. Essa “fonte” adicional desconhecida é chamada simplesmente de Q. [1]

Q, portanto, é a fonte do material presente em Mateus e Lucas, mas não em Marcos. Aparentemente, esse material é originário de um Evangelho perdido ao qual os dois autores do Evangelhos psoteriores tiveram acesso. Não sabemos tudo o que havia em Q (ou não havia em Q_, mas sempre que Mateus e Lucas concordam literalmente em uma história não presente em Marcos, acredita-se que ela seja originária de Q. Portanto, Marcos e Q são nossas fontes mais antigas. Mateus usou mais uma ou mais de uma fonte escrita ou oral para seu Evangelho, e nós as chamamos de fontes matianas, ou M. As fontes de material exclusivo de Lucas são chamadas de L. Portanto, antes dos Evangelhos de Mateus e Lucas havia quatro fontes disponíveis: Marcos, Q, M, e L(tanto M quanto L possivelmente são fontes múltiplas). Esses são nossos materiais mais antigos para reconstruir a vida de Jesus. [2]

2 – Quanto mais, melhor. Suponha que haja uma história sobre Jesus encontrada em apenas uma fonte; é possível que o ŕoprio autor dessa fonte tenha inventado a tradição. Mas e quando uma história é encontrada de forma independente em mais de uma fonte? Ela não pode ter sido inventada por nenhuma das fontes, já que são independentes; deve ser anterior a ambas. Portanto, histórias encontradas em muitas fontes independentes têm maior probabilidade de serem mais antigas, e possivelmente autênticas. (Observação: se a mesma história for encontrada em Mateus, Marcos e Lucas, essas não são três fontes para a história, mas uma fonte: Mateus e Lucas a receberam de Marcos.)

Por exemplo: tanto Mateus quanto Lucas indicam de modo independente que Jesus foi criado em Nazaré, mas suas histórias sobre como ele chegou lá diferem, de modo que uma é oriunda de M, e a outra, de L. Marcos informa a mesma coisa. Assim como João, que não usa nenhum dos Sinóticos coo fonte. Conclusão? Ela é confirmada independentemente: Jesus provavelmente veio de Nazaré. Outro exemplo: Jesus é associado a João Batista no início de Marcos, no começo de Q (tanto Mateus quanto Lucas preservam partes da proclamação de João que não aparecem em Marcos) e no começo de João. Conclusão? Jesus provavelmente está acssociado a João Batista no inicio de seu ministério.

3 – É melhor remar contra a corrente. Algo que vimos repetidamente é que foram criadas discrepâncias em nossos relatos sobre Jesus porque diferentes contadores de histórias e autores mudaram as tradições para fazer com que elas se adequassem melhor a seus próprios pontos de vista. Como podemos lidar com tradições sobre Jesus que claramente não se coadunam com os interesses cristãos, ou seja, não fortalecem os pontos de vista e as perspectivas das pessoas que contam as histórias? Tradições assim não teriam sido inventadas pelos contadores de histórias cristãos, portanto é muito provável que sejam históricamente precisas. Algumas vezes isso é confusamente chamado de “critério da dessemelhança”. Qualquer tradição sobre Jesus que seja diferente daquilo que os primeiros cristãos provavelmente queriam dizer sobre ele tem maior probabilidade de ser autêntica. Vamos considerar os dois exemplos anteriores. É possível entender porque os cristãos queriam dizer que Jesus vinha de Belém: era de lá que deveria vir o filho de Davi (Miqueias 5:2). Mas quem inventaria uma história em que o Salvador vinha de Nazaré, uma cidadezinha de que ninguém tinha ouvido falar? Essa tradição não fortalece nenhum interesse cristão. Ou então vejamos João Batista. Em Marcos, nosso relato mais antigo, João batiza Jesus. Por que os cristão iriam inventar isso? Lembre-se de que, de acordo com a tradição cristã inicial, uma pessoa espiritualmente superior batizava aquela espiritualmente inferir. Um cristão inventaria a ideia de que Jesus foi batizado por outra pessoa, sendo, portanto, inferior a ela? Além disso, João batizava “para perdoar os pecados” (Marcos 1:4). Alguém iria querer alegar que Jesus precisava ser perdoado por seus pecados? Parece altamente improvável. Conclusão? É provável que Jesus eralmente era associado a João Batista no início de seu ministério, e é provável que tenha sido batizado por ele.

4 – Tem de se encaixar no contexto. Como Jesus foi um judeu que viveu na Palestina do século I, qualquer tradição sobre ele tem de se encaixar em seu próprio contexto histórico para que seja plausível. Muitos de nossos Evangelhos posteriores – escritos nos éculos III e ou IV, em oturas regiões do mundo – dizem coisas que não fazem sentido no contexto dele. Elas podem ser eliminadas como historicamente implausíveis. Mas há implausibilidades até mesmo em nossos quatro Evangelhos canônicos. No Evangelho segundo João, capítulo 3, Jesus tem uma famosa conversa com Nicodemos, na qual diz: “Vós deveis nascer de novo.” A palavra grega traduzida como “de novo” na verdade tem dois significados: pode indicar apenas “uma segunda vez”, mas também “do alto”. Sempre que ela é empregada em outros momentos em João, significa “do alto” (João 19.11, 23). É o que Jesus parece querer dizer em João 3 quando conversa com Nicodemos: uma pessoa precisa nascer do alto para ter vida eterna no céu acima. Nicodemos, porém, entende errado e acha que Jesus se refere ao outro sentido da palavra, que ele tem de nascer uma segunda vez. “Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar segunda vez no seio de sua mãe e nascer?”, pergunta ele, frustrado. Jesus o corrige: não está falando de um segundo nascimento físico, e sm de um nascimento celestial, do alto.

Essa conversa com Nicodemos se baseia no fato de que uma determinada palavra grega tem dois significados (um dublo sentido). Em o duplo sentido, a conversa não faz sentido. O problema é este: Jesus e esse líder judeu em Jerusalém não estariam falando em grego, mas em aramaico. Contudo, a palavra aramaica para “do alto” não significa também “segunda vez”. É um duplo sentido que existe apenas em grego. Por essa razão, essa conversa não pode ter acontecido – pelo menos não como é descrita no Evangelho segundo João.

Esses são, portanto, alguns dos critérios empregados pelos estudiosos para tratar das várias tradições sobre Jesus, especialmente quando encontradas nos Evangelhos do Novo Testamento. A aplicação atenta e religiosa desses critérios pode produzir resultados positivos. Nós provavelmente podemos saber algumas coisas sobre o Jesus histórico

1 – Ver Gálatas 4:4; Romanos 15:7; 1 Coríntios 9:5; Gálatas 1:19; 1 Corintios 15:5; 1 Corintios 11:22-25; 1 Corintios 7:10-11 e 1 Corintios 9:14.

2 – Para mais informações, ver meu New Testament: A historical introduction, capitulo 7.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O inferno não é arbitrariamente imposto aos condenados

Peter Kreeft

Alguns subtenderam que o inferno é imposto aos perdidos contra a vontade deles. Mas essa idéia seria contrária à razão fundamental da existência do inferno: nossa livre escolha e o respeito de Deus por ela.

Os condenados não se alegrarão no inferno, mas mesmo assim eles o escolhem, ao preferirem o egoismo, em vez do amor; o eu, em vez de Deus; o pecado, em vez do arrependimento [e do perdão divino]. Não pode haver céu sem amor doado. A coisa que os perdidos desejam - a felicidade nos seus próprios termos egoístas - é impossível até para Deus conceder. Ela não existe. Não pode existir.

Se o inferno é escolhido livremente pelos pecadores, então o problema see torna não a conciliação entre o inferno e o amor de Deus, mas a condição entre o inferno e a sanidade mental humana. Quem, em sã consciência, preferiria o inferno ao céu? Contudo, todos nós fazemos isso vez ou outra ao pecarmos, pois todo pecado reflete a nossa preferência pelo inferno.

Os céticos objetam dizendo que não é possível escolhermos livremente o inferno ao céu; só loucos fariam isso. Os cristãos respondem que isso é precisamente o que o pecado é: loucura. uma recusa deliberada do júbilo e da verdade.

Talvez o ensino mais chocante do cristianismo não seja o da doutrina do inferno, mas a doutrina do pecado, pois significa que a humanidade está espiritualmente insana [ao ponto de continuar em sua marcha para o inferno, sem atentar para a salvação em Cristo oferecida por Deus]

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Lutero: o exorcista fujão.

Num dia do mês de janeiro de 1544, muitas pessoas se reuniram em torno de uma jovem de dezoito anos, na sacristia da igreja paroquial de Wittenberg.

A jovem se encontrava sob o domínio do maligno e Lutero quis ajudá-la. Todos rezavam, porém o demônio não saía do corpo da infeliz.

Irritado, Lutero aplicou um vigoroso pontapé na moça e fugiu em direção à porta da sacristia, temendo a reação do diabo, a vingança do seu espírito nojento. De fato a jovem avançou, a fim de lhe infligir um castigo.

Lutero, naquela afobação, tentou abrir a porta, mas não conseguiu, a chave não se movia. Nervoso, agoniado, com o rabudo a uivar atrás de si, ele corria de um lado para o outro.

Pelas janelas também não podia escapulir, pois eram gradeadas. Então alguém passou um machado por sua vidraça quebrada e assim ocorreu a libertação do exorcista, graças ao arrombamento da porta.
Mais tarde, o suave diácono Forschell ouviu esta notícia: o pontapé de Lutero na jovem havia enxotado o diabo...

"Lutero e a Igreja do Diabo", de Fernando Jorge, p. 184, 185.

domingo, 21 de novembro de 2010

Inerrância Bíblica, alguns comentários sobre.

O que vou colocar aqui é o que postei como comentário em outro blog, mas achei interessante que os leitores soubessem do que tenho refletido referente à inerrância bíblica e sua inspiração.

Não faz muito tempo que deixei de defender a inerrância bíblica da forma que os fundamentalistas propõem. O que não quer dizer que creio que a Bíblia é cheia desses erros, principalmente os apontados no manual de contradições bíblicas do Geisler. Uma coisa que me chama atenção nessa questão é que, para estes, a inerrância plena se dá somente nos autógrafos. Mas se não os possuímos, como é que podemos dizer que os autógrafos são inerrantes da maneira que desejam apresentar?

Eu partilho do pensamento de que Jesus é a Palavra no sentido estrito e que as Escrituras são a Palavra, pois elas refletem a Jesus Cristo. Mas ainda isso me faz indagar: se Jesus não erra e as escrituras são um reflexo dessa Palavra, então como elas não seriam inerrantes da mesma forma que Jesus é inerrante? Creio que depende de como vemos a Bíblia como esse reflexo e como vemos Jesus como inerrante. Por exemplo, se ela é um reflexo de Jesus, então ela é humana e espiritual (sua mensagem espiritual). É claro que como cristão acredito que Jesus não errou em sua mensagem espiritual, portanto a Bíblia também não erra na mensagem de salvação para a humanidade.

A questão é se “a Bíblia não possui erro algum em sentido nenhum”, ou como chamo aqui, de "escrita secular". Mas se Jesus errou de alguma forma como homem, no sentido de que possuía as crenças de sua época a respeito do mundo secular, então a Bíblia poderia sim ter errado nessas questões.

Por exemplo, Jesus falou que o menor grão é o grão de mostarda. É claro que Jesus estava a falar do menor grão em que os palestinos possivelmente conheciam. Será que Jesus também não estava errado nisso, de acordo com o conhecimento secular limitado? Esse é um exemplo de conhecimento secular limitado que todo ser humano possui.

Sinceramente, até agora não vi nenhum problema para pensar que Jesus não poderia ser limitado dessa forma, afinal, Ele é totalmente Deus e totalmente homem, isso significa que assim como um palestino no primeiro século [totalmente homem], Jesus era limitado nessas questões seculares assim como nós que somos totalmente humanos. Sem pecado, porém ainda limitado nas questões seculares como qualquer ser humano. Veja que não estou a falar que Jesus foi limitado na questão de sua mensagem que Ele disse ter sido revelada pelo Pai.

Então, se a Bíblia reflete essa Palavra, ela deveria refletir Jesus até mesmo em suas limitações. O que faria da inerrância não algo de que “a Bíblia não possui erro algum em sentido nenhum”, mas que a Bíblia contém a mensagem verdadeira de Jesus revelada aos homens escrita por pessoas com as limitações de conhecimento secular humano.


Claro que devemos fazer diferenciação de Inspiração Bíblica com o de Inerrância, mas a questão da inerrância vai depender do que temos por inspiração.

Como até o momento não vi nem mesmo nas próprias escrituras a exposição do conceito de inspiração que os fundamentalistas defendem, nem mesmo argumentos lógicos apropriados, penso que nos casos em que mostrei não é contraditório crer na inspiração e em erros bíblicos, na verdade, pelos motivos apresentados, os tipos de erros e características humanas já eram de se esperar na Bíblia sem afetar também sua característica espiritual, esta sim inerrante.

Assim, pelas palavras escritas pelos homens inspirados por Deus, a Palavra de Deus vem à tona, da mesma forma que a Palavra de Deus veio à tona através da humanidade de Jesus.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ficção científica em torno a Jesus

José Antonio Pagola

A margem de todo este trabalho de investigação científica foi aparecendo durante estes anos um número incontável de publicações, escritos e romances de ficção científica com os dados aceitos pelos peritos e exegetas.

Em alguns casos trata-se de obras vinculadas a correntes esotéricas e gnósticas que ganharam nova força no marco da chamada “Nova Era” (New Age). Nelas apresentam-se diversas imagens: Jesus segundo o esoterismo tradicional; Jesus segundo a religiosidade gnóstica; Jesus segundo o “segredo” dos templários; Jesus segundo a Sociedade teosófica; Jesus segundo a antroposofia de R. Steiner; A vida mística de Jesus, de H. S. Lewis, segundo a ordem dos Rosa-cruzes (Amorc); Jesus e o movimento esotérico do Santo Graal. Jesus segundo a Fraternidade Branca Universalç Jesus e os extraterrestres... A posição dos investigadores diante deste tipo de literatura é unânime: a imagem de Jesus exposta nestas obras nada tem a ver com o Jesus que viveu na Galiléia no inicio do século I.

Por outro lado, publicam-se numerosas obras preparadas em poucos meses por autores que não se dedicam à investigação histórica de Jesus, mas provêm do campo do jornalismo, da literatura fantástica, da história oculta... Junto com estas obras sobre Jesus publicam também obras sobre óvnis, segredos das pirâmides do Egito, mistérios da história etc. São livros que trazem títulos como os seguintes: Jesus viveu e morreu na Chachemira, a história secreta de Jesus; Jesus, o homem sem evangelhos; Jesus e Maria Madalena; Jesus, esse grande desconhecido. Sem entrar na análise crítica de cada uma destas obras, de quase todas pode-se fazer as seguintes observações:

- Estas obras são escritas por autores que não levam em consideração a investigação moderna: seus retratos arbitrários de Jesus não se baseiam absolutamente nos dados dos peritos, mas antes os contradizem. É impressionante observar com que audácia escrevem amparando-se numa frívola referência geral à “investigação recente” ou aos últimos dados dos cientistas, sem poder trazer o nome de nenhum investigador sério sobre a matéria.

- Os leitores não iniciados não podem nem sequer suspeitar o uso arbitrário que se faz constantemente das fontes, sem tomar em consideração nenhum critério de historicidade. Por exemplo, Dan Brown, em seu romance O Código da Vinci, para provar que Maria Madalena estava casada com Jesus, baseia-se no Evangelho [apócrifo] de Filipe, afirmando que este escrito é anterior e mais original e seguro do que os evangelhos canônicos; o leitor não iniciado ignora que um perito de tanto prestígio como o alemão Hans-Josef Klauck conclui seu estudo sobre o evangelho de Filipe dizendo que “ninguém tenta datá-lo antes do século II”.

- Nestas obras fazem-se afirmações provocativas contra aquilo que afirmam os investigadores de primeira mão. Afirma-se que “Jesus foi essênio”; os especialistas concluem que a atuação e a mensagem de Jesus teriam encontrado em Qumran uma rejeição frontal. Afirma-se que o matriônio de Jesus com Maria Madalena é “o segredo mais importante e mais bem guardado de todos os tempos”; nenhum investigador competente podia tê-lo descoberto antes de chegar Dan Brown. Diz-se que “Judas foi assassinado por Pedro” (Michel Benoit); nenhum especialista o havia suspeitado.

- Em escritos deste gênero selecionam-se episódios de importância absolutamente secundária apenas por seu potencial sensacionalista (os amores de Jesus e Maria Madalena, a atuação de Judas, os “ensinamentos secretos” de Jesus...). Ao mesmo tempo, ignora-se o que historicamente constitui o núcleo do ensinamento de Jesus e de sua atuação: sua mensagem sobre Deus, sua defesa dos pobres, sua crítica aos poderosos, seu chamado à conversão ou seu projeto de um mundo mais justo para todos.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Salmo 23 - Iavé não me faltará!

“IAVÉ, MEU PASTOR, NUNCA ME FALTARÁ”

Esta é uma tradução que provavelmente mais se aproxima do original em hebraico.

Arrisquei interpretar este salmo especial da maneira mais pessoal possivel. Tomara abençoe voce.

“O Senhor é o seu pastor e por isto, nunca, ELE lhe faltará, pois, você O tem e Ele o/a tem. E, se ELE nunca lhe faltará, do que mais você precisa ou tem falta??

Ele faz você andar como que por verdes pastos e Ele é a brisa que refrigera a sua alma e te faz repousar em segurança ao som de águas tranqüilas.

Ele te toma pela mão e te guia por caminhos retos e justos.

É possível que você ande por caminhos que pareçam caminhos de morte, mas, o Senhor te sustenta e você toma o rumo da vida.

Não poucas vezes você se verá diante de inimigos, mas, o Senhor, antes lhe alimentará e lhe servirá um cálice de revigoramento.

E daqui até o ultimo dia de sua vida o Senhor te perseguirá com bondade e misericórdia. Elas te encontrarão e na passagem te fará companhia por toda eternidade.” 

Carlos Bregantim

O que é a Crítica Textual?

Wilson Paroshi

A ciência que procura reestabelecer o texto original de um trabalho escrito cujo autógrafo [1] não mais exista é denominada crítica textual. Conhecida nos meios seculares por ecdóica [2], sua aplicação não se restringe ao NT, sendo extensível a qualquer peça de literatura cujo texto original tenha sido eventualmente alterado no processo de cópia e recópia, sobretudo antes da invenção da imprensa no século XV. Por sinal, os princípios metodológicos são basicamente os mesmos, exceto, obviamente, aqueles relacionados a características e circunstâncias particulares, se bem que tais exceções muitas vezes podem assumir um papel determinante. [3]

Quanto ao material com que trabalham os críticos textuais, este inclui, no caso específico do NT, não somente as cópias manuscritas dos livros apostólicos na língua original, o grego, mas também antigas versões, bem como citações de passagens bíblicas de antigos escritores. A prática da crítica textual, portanto, exige um conhecimento especializado dos diferentes manuscritos [4] e das respesctivas famílias textuais, conhecimento da paleografia grega e do cânon crítico [5], além do vocabulário e da teologia do autor cujo livro se examina. Só assimserão exequíveis a reconstituição da história do texto sagrado da forma mais completa possível e a consequente edição de um texto que busque refletir com exatidão os termos do original.

Visto ser necessário o estabelecimento de um texto confiável antes de passar a outros estudos, a crítica textual costumava a ser chamada de baixa crítica, como que a representar os níveis primários na estrutura do estudo crítico, em contraposição à alta crítica [6], que estuda os problemas de composição, incluindo-se o autor, a data, o lugar e as circunstâncias em que foi escrito o material em questão. Es expressões “baixa crítica” e “alta crítica”, porém, têm dado margem a objeções por parecerem indicar diferentes graus de importância. Em vista disso, em tempos recentes têm sido substituídas respectivamente pelas expressões “crítica textual” e “crítica histórica”, que melhor descrevem a natureza e os objetivos de ambas as ciências. [7].

Talvez convenha destacar ainda que a crítica bíblica, como tal, incluindo-se a textual e mesmo a histórica, não significa propriamente essa ou aquela opinião, nem representa esse ou aquele grupo de opiniões formuladas em relação à Palavra de Deus. Significa, sim, um temperamento, atitude ou disposição intelectual que se move na direção da verdade desconhecida, mas conhecível, com respeito e devoção e livre de preconceitos ou pressuposições estranhas às Escrituras Sagradas. Isso não significa, todavia, que tenha sido sempre assim. Grandes abusos já foram cometidos por muitos dos que se engajam nesse tipo de trabalho, por estarem repletos de ideias preconcebidas contra o cristianismo tradicional e seu conteúdo teológico. A crítica bíblica, porém, quando devidamente aplicada, está a serviço da fé, com o objetivo de descobrir, tanto quanto possível, seus fundamentos racionais e verdadeiros e assim fazê-los passar de “presunções religiosas” a “certezas científicas”. [8]

Definição do problema

Quando lemos hoje o NT, será que de fato estamos lendo aquilo que Lucas, João, Paulo e os outros autores escreveram tantos séculos atrás? Não teria a ordem de Cristo em Apocalipse 22.18 e 19, proibindo qualquer alteração no texto desse livro, sido contrariada com relação tanto ao próprio Apocalipse quanto aos demais livros do NT? Tais perguntas não se destinam meramente a levantar dúvidas quanto aos documentos em que baseamos a fé, mas a chamar-nos a atenção sobretudo para o tipo e o tamanho do problema com que lida a crítica textual. E tal problema torna-se ainda mais evidente quando nos lembramos, em primeiro lugar, de que todos os autógrafos do NT desapareceram por completo e mais nenhuma colação [9] com eles pode ser possível.

De fato, seria extraordinário poder ir a uma biblioteca ou museu e ver, por exemplo, uma das cartas de Paulo tal como a ditou ou mesmo escreveu. Seria por demais emocionante encontrar o autógrafo de Gálatas e ler na última página: “Vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho” (Gl 6.11; cf. Rm 16.22; 1Co 16.21; Cl 4.18), ou ver ainda como era a assinatura com que o apóstolo terminava suas epístolas (veja 2Ts 3.17). Mas que emocionante, porém, o acesso aos originais do NT serviria principalmente para colocar a autenticidade dos escritos sagrados do cristianismo acima de toda e qualquer suspeita. Mas isso não é possível, e as oportunidades de ainda vir a acontecer, acredito serem reduzidas ao mínimo.

A razão para a perda prematura dos autógrafos neotestamentários certamente foi a pouca durabilidade do material em que, conforme o uso da época, escreviam-se livros e cartas: o papiro, o qual não era mais durável que nosso moderno papel. Muito provavelmente, os mss. Originais do NT foram lidos e relidos pelos cristãos apostólicos até se desfazerem por completo e literalmente caírem aos pedaços. Seja como for, perderam-se todos. Providencialmente, porém, antes que se tornassem ilegíveis ou desaparecessem, foram copiados. Isso leva-nos ao segundo fator que evidencia a seriedade do problema em questão: os erros introduzidos no texto mediante o processo de cópias manuais.

As cópias dos autógrafos, por sua vez, converteram-se em originais no que diz respeito a outras cópias, e assim sucessivamente. Durante esse processo de cópias e recópias manuais, que se estendeu por 14 séculos até a invenção da imprensa, inevitavelmente muitos e variados erros foram cometidos, resultado natural da fragilidade humana. E, à medida que aumentavam as cópias, mais se multiplicavam as divergência entre elas, pois cada escriba acrescentava os próprios erros àqueles já cometidos pelo escriba anterior. E essas variantes textuais [10] têm suscitado sério problema para os estudiosos do NT – dando margem para que os céticos questionem sua pureza textual: “Qual a forma correta do texto, ou que dizia exatamente o original?”. A essa pergunta é que tratam de responder os críticos textuais. Seu objetivo é examinar criticamente a tradição manuscrita, avaliar as variantes e reconstruir o texto que possua a maior soma de probabilidades de ser o original ou a forma primitiva do autógrafo.

Esse oobjetivo, por si só, já traduz tuda a importância da crítica textual, pois, se os mss. Apresentam divergências e nós não podemos recorrer aos originais para verificar a forma correta, então a credibilidade do texto sagrado que chegou até nós aparentemente estaria por demais ameaçada. Consequentemente, o próprio corpo doutrinário e ético do cristianismo estaria ameaçado, além da própria historicidade de seus documentos originais, o que seria ainda pior. Sir. Edwiyn Hoskyns e Noel Davey colocaram a questão da seguinte forma:

Se o exame do significado de importantes palavras gregas que aparecem muitas vezes nos documentos do NT suscita grave problema histórico, visto que apontam para um acontecimento histórico particular na Palestina; se não pode haver uma compreensão do NT à parte da possibilidade de delinear o significado dessa história particular, pelo menos em seus traços mais gerais; e, além disso, se essa história deve ser reconstruiída a partir dos documentos do NT, uma vez que não dispomos de outras fontes de informação: torna-se evidente que nenhuma reconstrução da história é possível a menos que o historiador crítico possa ter razoavel confiança de que o texto do NT não sofreu alterações sérias durante os 14 séculos em que foi copiado por escribas. Não se pode empreender um sério trabalho de investigação histórica tendo por base textos suspeitos de extrema corrupção. [11]

A crítica textual, portanto, lida com um problema básico e de tremendas implicações. Dela dependem todas as demais ciências bíblicas que corporalizam a religião cristã, pois lana os fundamentos sobre os quais toda e qualquer investigação deva ser construída. Sem um texto grego fidedigno, não mais próximo do original quanto possível, não há como se fazer confiável crítica histórica ou literária, exegese, teologia, nem mesmo sermão, para não falar em tradução. Consiste num “pré-requisito para todos os outros trabalhos bíblicos e teológicos”. [12]

Dificuldades Técnicas

O problema do qual se ocupa a crítica textual do NT aumenta consideravelmente quando se verifica a dimensão dos três principais obstáculos que necessitam ser transpostos para a restauração do texto apostólico, o que, à primeira vista, afigura-se um esforço completamente inútil. Uma análise mais criteriosa, porém, revelará que, se por um lado tais obstáculos dificultam os trabalhos textuais, por outro, proporcionam maior solidez e confiabilidade às conclusões finais.

O primeiro deles consiste na distância entre as cópias mais completas e os autógrafos. O NT estava completo, ou essenciamente completo, por volta do ano 100, sendo que a maioria dos livros já existia cerca de 20 a 50 anos antes dessa data, e, de todas as cópias manuscritas que chegaram até nós, as melhores e mais importantes remontam aproximadamente aos meados do século IV. A distância em relação aos autógrafos, portanto, chega a perto de três séculos, o que, se por um lado pode consistir num problema, por outro faz com que o NT seja a obra mais bem documentada da antiguidade.

Os clássicos tanto gregos quanto latinos, cuja autenticidade quase ninguém põe em dúvida, levam grande desvantagem quanto ao tempo que separa os mais antigos mss. De seus originais em relação aos escritos neotestamentários. A cópia mais antiga que existe de Eurípedes foi escrita 1.600 anos depois da morte do poeta. No caso de Sófocles, o intervalo é de 1.400 anos, o mesmo acontecendo com Ésquilo e Tucídides. Quanto a Platão, o intervalo não é muito menor: encontra-se ao redor dos 1.300 anos. Entre os latinos, embora levem vantagem sobre os gregos, a situação não é muito diferente. Enquanto Catulo o intervalo é de 1.600 anos e em Lucrécio de mil anos, Terêncio e Lívio reduzem-se para 700 e 500 anos respectivamente. Só Virgílio aproxima-se do NT, pois há um ms. Completo de suas obras que pertence ao século IV, sendo que o autor faleceu no ano 8 a.C.

Quão diferente, porém, é a situação do NT nesse aspecto. Além dos famosos mss. Do século IV, escritos em pergaminho, existem ainda consideráveis fragmentos em papiros de praticamente todos os livros do NT, que nos fazem recuar até o século III, ou, como em alguns casos, até meados do século II. Enfim, embora dispondo apenas de cópias posteriores, podemos citar o veredicto pronunciado por Sir Frederic G. Kenyon, destacado estudioso da primeira parte deste século e grande autoridade em mss. Antigos:

O intervalo, então, entre as datas da composição original e a mais antiga evidência subsistente  torna-se tão reduzido de sorte que é praticamente desprezível, e o derradeiro fundamento para qualquer dúvida de que nos hajam as Escrituras chegado às mãos substancialmente como foram escritas já não mais persiste. Tanto a autenticidade quanto a integridade geral dos livros do NT podem considerar-se firmados de modo absoluto e final. [13]

O segundo obstáculo é o grande número de documentos disponíveis. Existem atualmente cerca de 5.500 mss. Gregos completos ou fragmentários do NT, sem falar nos quase 13.000 mss. Das versões e nos milhares de citações dos antigos Pais da Igreja. Os problemas e dificuldades da crítica textual, portanto, surgem mais por uma superabundância de evidências do que propriamente por uma insuficiência delas. Todavia, novamente a limitação se torna em vantagem, pois, apesar de a multiplicidade de mss. Oferecer ensejo para os mais variados erros de transcrição, oferece também muito mais elementos de comparação. Frederic F. Bruce declarou:

Felizmente, se o grande número de mss. Aumenta o índice de erros escribais, aumenta, em medida idêntica, os meios para a correção desses erros, de modo que a margem de dúvida deixada no processo de restauração dos termos exatos do original não é tão grande como se poderia temer; pelo contrário, é, na verdade, marcadamente reduzida. [14]

Há ainda outro fator a ser observado. O elevado número de documentos existentes faz com que o NT tenha muito mais apoio textual que qualquer outro livro dos tempos antigos, seja em se tratando das obras de Homero, dos autores trágicos áticos, de Platão, de Cícero ou de César. A situação normal no que diz respeito às grandes obras da literatura clássica é que nosso conhecimento do textodelas depende de poucos e recentes mss., de maneira que estamos muito mais bem equipados para observar as etapas primitivas da história textual do NT que de qualquer outra obra da literatura antiga.

O terceiro e maior obstáculo é a elevada cifra de variantes existentes. A consequência natural da multiplicação dos mss. Do NT pelo espaço de 1.400 anos foi o surgimento de incontáveis variações textuais. À primeira vista, os números são assutadores. Até o momento, já foram calculadas cerca de 250.000 variantes, [15] ou seja, mais variantes entre todos os mss. Que as palavras que o NT contém. Só um estudo de 150 mss. Gregos do evangelho de Lucas revelou mais de 30.000 textos divergentes. [16] É opinião unânime entre os críticos textuais que não possuímos nenhum ms. Que tenha preservado sem nenhuma variação o texto original dos 27 livros do NT, nem sequer de apenas um deles. [17] Merril M. Parvis, porém, vai mais longe, afirmando que “não há uma só frase no NT na qual a tradição manuscrita seja totalmente uniforme”. [18]

Apesar das enormes dificuldades advindas desse fato, devemos notar que quase a totalidade das variantes diz respeito a questões de pouca ou nenhuma importância. São variações na ordem relativa de palavras numa frase, no uso de diferentes preposições, conjunções e partículas, nas preposições que acompanham determinados verbos ou em simples modificações de natureza gramatical, muitas das quais até nem poderiam ser representadas numa tradução portuguesa. Em outras palavras, “o número de variantes que se revestem de importância, especialmente no que diz respeito à doutrina, é assaz reduzido”. [19]

Se os nímeros são assustadores, essa declaração é, no mínimo confortadora, e sua veracidade pode ser atestada mediante o exame de qualquer aparato crítico [20] de uma edição técnica do NT grego. Além disso, há mais de um século duas das maiores autoridades no assunto, B. F. Westcott e F. J. ª Hort, já afirmavam que apenas a milésima parte do texto do NT ainda não estava criticamente assegurada. [21] E, mais recentemente, Bruce destacou que as poquissimas variantes que subsistem passíveis de certa dúvida não afetam “nenhum ponto importante, seja em matéria de fato histórico, seja em questão de fé e prática” [22].

1. Autógrafo: termo técnico que designa o manuscrito original de uma obra.
2. O temro “ecdótica” foi introduzido na ciência literária por D. Henri Quentin, em sua obra Essais de Critique Textuelle: Ecdotique, publicada em Paris em 1926.
3. Veja Kurt & Barbara ALAND, The texto of the New Testament, p. 34.
4. A partir de agora serão usadas as abreviaturas ms. E mss. respectivamente para “manuscrito” e “manuscritos”.
5. Cânon crítico: certos critérios científicos estabelecidos pelos críticos textuais para propiciar uma escolha inteligente entre dois ou mais textos divergentes.
6. A expressão “alta crítica” foi pela primeira vez aplicada à literatura bíblica por J. G. Eichhorn, no prefácio da segunda edição de sua obra Einleitung in das Alte Testament (1787): “Tenho sido obrigado a dedicar a maior parte de meus labores num campo até o momento inteirament eesquecido: a investigação da constituição interior de cada livro do AT mediante a ajuda da crítica mais alta – nome novo para os não-humanistas”.
7. Veja George Eldon LADD, The New Testament and criticism, p. 55.
8. H. E. DANA, El Nuevo Testamento ante la crítica, p. 10.
9. Colação: confronto da cópia de um ms. Com o original ou outra cópia, para verificar a correspondência entre os respectivos textos e assim analisar a maior ou menor autoridade para a escolha do texto exato.
10. Variantes: assim chamadas as diferentes formas conhecidas do mesmo texto, conforme encontradas nos diversos mss.
11. The riddle of the New Testament, p. 35.
12. J. Harold GREENLEE, Introduction to New Testament textual criticism, p. 17.
13. The Bible and archaeology, p. 288.
14. The New Testament documents, p. 19.
15. Heinrich ZIMMERMANN, Los métodos histórico-críticos em el Nuevo Testamento, p. 21.
16. M. M. PARVIS, The interpreter's dictionary of the Bible, p. 595.
17. Alfred WIKenhauser, Introdución al Nuevo Testamento, p, 73.
18. Op. Cit., p. 595.
19. B. P. BITTENCOURT, O Novo Testamento: Canôn, língua, texto, p. 74.
20. Aparato crítico: conjunto de sinais e termos técnicos destacando as variantes do texto bíblico e seus respectivos testemunhos.
21. The New Testament in the original Greek, p. 545.
22. Op. Cit., p. 20.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Deus está no homem; o homem em Deus

Santo Agostinho

"E como invocarei o meu Deus - meu Deus e meu Senhor -, se ao invocá-lO, O invoco sem dúvida dentro de mim? E que lugar há em mim, para onde venha o meu Deus, para onde possa descer o Deus que fez o céu e a terra? Pois será possível - Senhor meu Deus - que se oculte em mim alguma coisa que Vos possa conter? É verdade que o céu e a terra que criastes e no meio dos quais me criastes, Vos encerram?

Será, talvez, pelo fato de nada do que existe poder existir sem Vós, que todas as coisas Vos contém? E assim, se existo, que motivo pode haver para Vos pedir que venhais a mim, já que não existiria se em mim não habitásseis? Não estou no inferno e, contudo, também Vós lá estais, pos "se descer ao inferno, aí estais presente" [1].

Por conseguinte, não existiria, meu Deus, de modo nenhum existiria, se não tivésseis em mim. Ou antes, existiria eu se não estivesse em Vós "de quem, por quem e em quem todas as coisas subsistem"? Assim é, Senhor, assim é. Para onde Vos hei de chamar, se existo em Vós? Ou donde podereis vir até mim? Para que lugar, fora do céu e da terra, me retirarei a fim de que venha depois a mim o meu Deus que disse: "Encho o céu e a terra"?

[1] - Sl 138,8

As catacumbas

Ralfh O Muncasterf

Qualquer pessoa que visite Roma hoje pode ver as catacumbas, onde os primeiros cristãos enterraram os seus mortos, fora da cidade de Roma. As covas das catacumbas são um testemunho espantoso da grande quantidade de mártires cristãos que deram a vida por anunciar o evangelho de Jesus, no princípio da igreja. Dezenas de milhares de cristãos antigos foram sepultados em mais de 60 labirintos subterrâneos, onde túmulos individuais e criptas familiares foram lavrados em estreitas passagens de rochas. (Cinco das catacumbas estão atualmente abertas ao público.) Centenas de quilômetros de túneis estão conectados por grandes acres de terra - como os fios de uma teia de aranha. Em alguns casos há muitos níveis de passagens para economizar espaço, que era muito limitado para os cristãos durante a época da perseguição.

Contrariando a crença popular, as catacumbas não eram usados como escondeirijos durante a perseguição; no entanto, às vezes eram usadas como locais de refúgio para a celebração da Ceia do Senhor.

De pé em uma das "áreas de adoração" abertas, ou mesmo em uma grande "cripta familiar", um visitante não pode deixar de sentir o espírito e o poderoso compromisso com Jesus em uma época tão próxima de sua crucificação, quanto as pessoas teriam evidências fortes e diretas de sua ressurreição. As evidências da fé em Jesus Cristo em seus primeiros anos estão por toda parte. Os símbolos predominantes em todas as catacumbas são:

+ O Bom Pastor - um pastor com um cordeiro em torno de seu pescoço, que simbolizava Cristo e as almas que Ele estava salvando, encontrados em afrescos, em sarcófagos, e nos revestimentos dos túmulos.

+ O suplicante - a figura de uma pessoa em oração, com os braços abertos, simbolizando a alma dos mortos vivendo eternamente em paz.

+ O monograma de Cristo - as letras gregas chi e rho, que representavam as duas primeiras letras de "Cristo", indicando que um cristão foi sepultado ali;

+ O peixe - as letras gregas "IXTHYS", que colocadas verticalmente, formavam um acróstico que significava "Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador";

+ A pomba levando um ramo de oliveira - simbolizando a alma alvançando a paz divina;

+ As letras gregas alfa e ômega - representando Cristo como o princípio e o fim.

Os milhares de mártires nas catacumbas são frequentemente identificados pela abreviatura grega "MPT" (que significa mártir).

Em fevereiro de 313, Constantino acabou com a perseguição aos cristãos. No entanto, as catacumbas continuaram a ser usadas como um cemitério até o século seguinte. A igreja acabou voltando à prática de sepultar os mortos acima do nível da terra. Com o passar do tempo, as pessoas esqueceram das catacumbas, e uma vegetação espessa cresceu nas entradas, ocultando-as de vista. Somente no final dos anos de 1500 é que Antônio Bósio (1575 0 1629) iiniciou a busca e exploração científica das antigas catacumbas. O mais importante é a evidência irrefutavel que as catacumbas nos proporcionam hoje, de que os primeiros cristãos se mantiveram fiéis à verdade ensinada pelo Senhor Jesus.

As pessoas que viveram perto da época da ressurreição de Jesus tinham a grande habilidade de julgar a veracidade da exatidão histórica dos eventos. Muitos acreditavam, sem nenhuma sombra de dúvida, que Jesus Cristo havia ressuscitado dos mortos. E os primeiros cristãos - que viveram tão perto da época de Jesus e estavam em uma boa posição para conhecer as testemunhas - escolheram honrar a Jesus e morreram por anunciar o evangelho, em vez de se curvarem diante de algum outro "deus". Evidências históricas e arqueológicas apóiam o amplo martírio que eles sofreram. O fato de tantos cristãos terem morrido no início de sua fé para contar a história traz uma credibilidade especialmente forte que permite a verificação de que a crucificação e a ressurreição de Jesus são absolutamente verdadeiras.