segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Historia de Jesus e a Nossa - Por Wolfhart Pannenberg

A fé cristã está ligada de um único modo com um acontecimento passado. Não há outra religião em que a pessoa histórica do seu fundador seja a base que suporta todas as coisas ou então seja o único apoio que, caído, todas as coisas podem cair com ele. Se omitirmos da mensagem crista qualquer relato das atividades terrenas de Jesus e do destine da crucificação e morte, nada especificamente cristão restaria. Em particular, o ensino de Jesus não pode, em si mesmo, ser o terreno e conteúdo da fé. O caráter e significado especifico da fé depende da autoridade de Jesus declarado por si mesmo em sua situação histórica particular, através da interpretação da lei de Moises e da proclamação do advento do reino de Deus com uma fé singular. A reivindicação implícita em seu ensino gerou o escândalo que o levou a execução.

Somente a luz desses acontecimentos a forma peculiar de seus ensinos torna-se mais clara. E não apenas o significado, mas a validade dos ensinos de Jesus tem seu terreno exclusivamente em sua morte e em particular na sua ressurreição, pois a ressurreição poderia ser entendida como a autenticação divina do homem que os judeus haviam rejeitado como blasfemador. Sem a ressurreição, a interpretação da lei teria continuado como um cross-over statement e o anuncio iminente do final do mundo teria sido um erro por causa das circunstancias da época. O ensino de Jesus e verdadeiro, não isoladamente, mas apenas como um elemento no seu destino da vida. A fé crista esta completa e totalmente vinculada àqueles acontecimentos históricos há quase dois mil anos e com seu total significado, Não existe verdade independente daqueles fatos. Isso foi apenas através daqueles eventos que o Deus de Israel mostrou-se ao mundo que ele era o verdadeiro Deus. Consequentemente, nossa fé em Deus esta precisamente vinculada aos eventos que constituem o destino da vida de Jesus de Nazaré.

1.    Fé e entendimento

Vimos que a fé crista constrói sua esperança na verdade de um evento que ocorreu em um passado distante. Portanto, todas as coisas naturalmente dependem da obtenção de um conhecimento confiável e preciso desses eventos. A fé não pode substituir aquele conhecimento. Teria de ser uma fé negligente e sem esperança que tenta garantir a realidade de seu terreno a partir de suas fontes. Demonstrar exclusivamente a decisão de fé em resposta à questão da verdade da mensagem crista seria reduzir a fé a um absurdo. A fé pressupõe uma base: alguma coisa que continuamente prove ser uma verdade contra todas as duvidas. Isto e a informação dos eventos que juntos constroem o destino da vida de Jesus.

A ressurreição de Jesus tem um significado especial entre aqueles eventos. Nesta conexão Paulo diz: "E, se Cristo não ressuscitou, inútil e a fé que vocês têm, e ainda estão em seus pecados" (I Co 15:17). A razão pela qual tal importância decisiva e vinculada à ressurreição de Jesus não e o caso de qualquer mera ressurreição da morte, mas aquela pessoa que ressuscitou foi Jesus de Nazaré cuja execução foi perseguida pelos judeus desde que julgaram que ele havia blasfemado. Se este homem ressuscitou da morte, e evidente que o Deus do Israel, contra quem eles supunham haver ele blasfemado, o reconhecera. Nossa fé e baseada naquele evento. A confiança em que Deus ressuscitou Jesus, chamamos fé, a qual pressupõe um conhecimento de eventos nos quais a esperança da nossa futura ressurreição e fundamentada. Aquele conhecimento e uma questão de razão. Consequentemente, em I Corintios Paulo cita como uma prova da credibilidade dessa informação a lista de testemunhas que experimentaram as manifestações do Cristo ressurreto.

Apenas quem tem tal conhecimento pode confiar no Deus que ressuscita da morte. Devemos redescobrir a coragem para enfrentar aquele fato. Devemos aprender novamente que a fé tem suas pressuposições, as quais não são instantaneamente garantidas por uma 'decisão de fé', mas são abertas ao julga-mento da razão. Somente pelo repetido aprendizado não ficare-mos excessivamente ansiosos — como muitos são — a respeito da nossa identidade crista. Então, a verdade universal do evento que da vida a nossa fé será revelada como a verdade que ilumina e aperfeçoa o mundo.

2. Investigação histórica.

Como podemos obter uma confirmação confiável a respeito da morte de Jesus? Como reconhecemos Jesus de Nazaré através da sua autoridade proclamada pelos requisitos de Deus e enfermidades saradas, e também por seu anuncio iminente do fim do mundo e do advento do reino de Deus? Como sabemos que ele foi reconhecido como um blasfemador, executado e levantado da morte? Isso e algo que somente podemos aprender da mesma maneira que conhecemos outros eventos do passado. Este conhecimento nem sempre é, mas pode ser, freqüente, como no caso do nosso entendimento de Jesus, apoiado por relatos distintos, testemunhos humanos e tradições escritas. Porém, nenhuma tradição pode ser aceita como verdadeira sem um exame. Isso seria contrario a toda razão, pois há algo errôneo na nossa tendência a tradição, para não dizer mentiroso.

Uma pessoa que lê um jornal e ocasionalmente compara seu conteúdo com outro jornal sabe que mesmo os artigos verdadeiros são sempre parciais e necessariamente seletivos. Os fatos nunca podem ser compreendidos e comunicados apenas de um ponto de vista particular, A influencia de uma abordagem especifica na seleção e apresentação e mais forte quando o. único objetivo do artigo não e a narrarão dos fatos, mas há também outros objetivos, como, por exemplo, a interpretação dos fatos. Se tivermos uma tradição e quisermos chegar a uma afirmação verdadeira dos acontecimentos, não e suficiente decidir se estamos tratando com uma mentira pura ou um artigo consciencioso. Sempre devemos questionar os interesses que levaram a produção deste artigo em particular. Se levarmos em consideração apenas o interesse realmente envolvido em cada caso chegaremos, então, a verdadeira declaração.

Tentei então sublinhar o procedimento de investigação histórica. Ele pode ser comparado à conduta de uma investigação criminal. Um bom detetive simplesmente não acreditara em uma ou outra testemunha, mas buscara sinais que Ihe darão pistas da verdadeira declaração dos acontecimentos. Também utilizará as declarações das testemunhas como indicativos que o ajudarão a chegar a sua própria conclusão do que e declarado, e dos fatos que não estão revelados. Dessa maneira, o detetive reconstruirá o curso dos eventos. Em principio, as pessoas fazem a mesma coisa quando querem estar certas a respeito de um incidente dentro do seu circulo de relacionamento. Um historiador faz o mesmo. Entretanto, um historiador precisa de muito mais informações objetivas e complexas para esclarecer um incidente porque a matéria esta em um passado distante.

As conclusões das investigações históricas nunca são completamente incontestáveis. Elas sempre são mais ou menos prováveis e podem ser mudadas através de novas descobertas e novas abordagens do problema. Todavia, a certeza que e afirmada pela historia e a maior que podemos ter dos eventos passados. Se a fé crista pressupõe informações a respeito dos eventos de um passado distante, então ela pode ganhar a maior certeza possível em relação àqueles eventos somente pela investigação histórica.

3 - Super-historia?

Atualmente os teólogos cristãos têm discutido se os eventos que constituem o destino de Jesus de Nazaré, que são fundamentais a fé, devem e podem ser conhecidos através das investigações históricas. Eles também discutem que as conclusões das investigações históricas têm de conter o campo da fé cristã. Há uma grande suspeita da investigação histórica. Sua aplicação às tradições bíblicas parecia estar levando a destruição à base da fé. Em particular, Jia, hoje, muitos estudiosos que acreditam que a ressurreição de Jesus não pode ser um fato histórico. Existem poucas analogias para um evento desse tipo; ele é anormal demais para o historiador ser capaz de sensatamente assumi-lo como um fato. Somente a fé — ela e reivindicada aqui — pode assumir o risco de confiar em tal fato anormal e leva-lo em consideração. Mas já vimos que a fé não pode garantir a certeza dos eventos do passado.

Esses acontecimentos devem ser assumidos como históricamente incontestáveis. A fé crista seria uma péssima autoridade se a ressurreição de Jesus não fosse realmente um fato histórico. Alem disso, como insistiu Paulo, a nossa fé seria em vão. Entretanto, as objeções contra o fato da ressurreição ser vista coco um evento real do passado não são propriamente históricas. Elas surgem não só do caráter dos relatos da ressurreição como da hipótese do historiador não conseguir aceitar um evento anormal como um fato. Isso e um argumento histórico. O carater incomum de um evento não e necessariamente um argumento contra a sua realidade. Na verdade, qualquer evento na historia é mais ou menos único. Apenas se os relatos das aparições do Cristo ressurreto fossem explicados como mito ou pura lenda, ou se fossem demonstradas claramente as marcas das experiências visionarias subjetivas, sem apoio subjetivo, e que se poderia contestar historicamente a realidade da ressurreição de Jesus. A mera anormalidade de um evento não e uma razão suficiente para negar a sua realidade. Uma vez que os argumentos citados não são obviamente apresentados, não existe hoje uma conclusão objetiva contra a hipótese de que a ressurreição de Jesus seja um fato histórico. E sem esta hipótese fica difícil explicar o aparecimento da comunidade cristã de uma maneira historicamente convincente.

Por causa do perigo aparente dos fundamentos da fé a partir de uma investigação histórica, a teologia se permitiu nos últimos cinqüenta anos tomar um atalho desastroso. Foi feita uma tentativa a fim de encontrar uma proteção. A historia de Jesus tem sido descrita como uma 'super-historia', a 'historia da salvafao’ ou 'a historia principal', opondo-se a 'historia normal'. Os estudiosos do Novo Testamento em geral acostumaram-se a falar apenas da fé Pascal da comunidade primitiva em vez dos eventos da ressurreição de Jesus. Nessa conexão me limitarei a observação que não há nenhum tipo de conhecimento dos eventos passados que passam pelo conhecimento histórico. Somente porque a ressurreição de Jesus é um fato histórico e um fundamento estável há fé no Deus que o ressuscitou. Os cristãos devem crer que a realidade da ressurreição de Jesus constantemente apoiará o teste da investigação histórica e aquela dúvida histórica constantemente será superada com o progresso da investigação. Mas não haverá 'abrigos' para a fé. Se houvesse, a fé não poderia ser fundamentada em fatos históricos. O fato da morte de Jesus, na qual Deus manifestou-se, permanece aberto a duvida histórica e é uma parte essencial do fato de Jesus ter sido realmente um homem.

4. A unidade da história.

No inicio, disse que a fé crista tem ligação estreita com o destino da vida de Jesus. Também. disse que a fé pode ser apenas uma questão de acontecimentos que podem ser descritos por um historiador. Agora, tenho que dar o significado do que foi dito, ma is precisamente, de outro angulo. A morte de Jesus, como o campo da fé, tem seu significado não isoladamente em si mesma, mas dentro do contexto da historia do povo de Israel. O Deus de Jesus, a quem ele invocou como Pai, foi o Deus de Israel. Jesus interpretou os mandamentos que foram transmitidos como os mandamentos do Deus de Israel. A expectativa de Israel que o inicio do reino de Deus estava próximo foi também a expectativa de Jesus e o conteúdo da sua mensagem.

Jesus, juntamente com sua mensagem e sua fé, pertence a historia em que o povo de Israel, desde sua origem, era consciente de que estava no caminho de Deus. E esta historia nos liga, os contemporâneos, com a morte de Jesus, pois a historia de Deus, que começou com a libertação de Israel do Egito e seu estabelecimento na Palestina, não findou com a ressurreição de Jesus. Ela transformou-se, então, em uma historia da propagação da fé crista, uma historia da missão crista. Por isso as nações do Ocidente foram persuadidas pela historia do Deus de Israel, receberam dela a missão histórica mundial, e ainda são parte de uma historia com o Deus da Bíblia. Apenas com essa visão a historia do Ocidente e uma continuidade de eventos, os primórdios desses acontecimentos tem ligação estreita com o povo de Israel.

A unidade dessa historia esta fundamentada na unidade do Deus que se tornou o Deus de Israel, e através de quem toda a historia do Ocidente e determinada, seja na fé ou na descrença. Portanto, gostemos ou não, todos estamos intima-mente ma is ligados com a historia de Israel do que, por exemplo, com os nossos progenitores germânicos. Apenas pela mediação do cristianismo estamos ligados com a Antiguidade. O espírito europeu é muito mais profundo e permanentemente marcado pelo cristianismo do que parece ser se o olharmos de um modo rápido e superficial Ate mesmo a liberdade do homem moderno e sua tecnologia em relação ao mundo e um efeito do espírito bíblico: Isto e, uma conseqüência do fato de que o Deus bíblico e livre fora do mundo e que o próprio mundo interrompe o divino. E verdade que a era moderna e largamente caracterizada pela apostasia do cristianismo. Porém, ate mesmo a sua apostasia não escapou das hipóteses cristas.

5. A consciência ocidental da história.

A unidade da nossa historia com a historia antiga de Israel através da morte de Jesus ficou mais clara devido a compreensão do mundo como historia da humanidade que começou através do Antigo Testamento, e o pensamento histórico que surgiu disso. Todas as outras religiões antigas vêem o mundo como uma ordem cósmica, fundamentada na ordem dos deuses, sobre as quais os mitos fazem seus relatos. Os eventos são significativos para essas religiões terrenas apenas a medida que a ordem divina eterna reflete-se nelas. Foi diferente em Israel, quanto mais o caráter especial de seu pensamento que se amoldou no curso da sua historia.

O Deus de Israel não esta vinculado com a ordem do mundo, mas confronta o mundo com a sua liberdade. A liberdade de Deus esta imediatamente evidente pelo fato dele trazer a tona a emergência do que e novo e inesperado. O Israel antigo não olhou para uma ordem eterna do mundo, mas para o futuro que seu Deus criou. As promessas de Deus, para as quais Israel viveu, foram dirigidas para o futuro. Foi somente como resultado disso que o tempo ganhou sua direção irreversível, da promessa ao cumprimento. Nos livros históricos mais velhos a tensão da promessa e cumprimento compreendeu apenas parte dos eventos no curso da historia do mundo, como na narrativa que descreveu como Salomão sucedeu o trono de Davi. No final, na literatura apocalíptica, Israel viu os acontecimentos mundiais como um todo, da maneira como Deus via, com um alvo final. Este derradeiro cumprimento agora não era esperado como o evento da ressurreição cios mortos.

Apenas sob esse angulo, dentro da estrutura daquela concepção da historia que permaneceu valida tanto para as testemunhas do Novo Testamento como para o antigo Israel, a importância da ressurreição de Jesus pode ser completamente valorizada. O objetivo de toda a historia — a saber, a ressurreição dos mortos — já veio em Jesus, uma vez que Deus o ressuscitou. Para nos, o fim ainda esta por vir. Nossa ressurreição ainda não aconteceu. Para o mundo, a historia ainda não esta completa. Esta e ainda a nossa situação. Este e o significado da ressurreição de Jesus para nos. Nele o final da historia do mundo já esta completa: um fim que também nos espera, mas para nos ele ainda esta escondido no futuro. Somente através do entendimento bíblico do mundo como uma historia divina que tem um objetivo — o final do mundo — e que o significado da morte de Jesus se torna inteligível.

Todo pensamento histórico ocidental tem origem na compreensão bíblica do mundo como historia. Os filósofos modernos da historia emergiram dentro de um processo da secularização da compreensão bíblica de toda a realidade como historia. Agora o homem deveria ser o condutor da historia do mundo em lugar de Deus. A unidade da historia não deveria mais ser fundamentada em sua direção pela providencia divina, mas na unidade da humanidade em evolução continua para um estado maior. Mas se o homem e não mais Deus deve ser o seu condutor, então a historia esta limitada a perder sua unidade. Pois a humanidade existe apenas na multiplicidade dos seres humanos individuais. Uma vez que o homem e feito condutor da historia, e impossível continuar em qualquer unidade interior dessa historia. Mas, com a quebra da unidade da historia, hoje somos ameaçados com a perda completa da consciência histórica. Em questão de tempo, apenas no Deus da Bíblia, que e a unidade da historia da humanidade e a herança da nossa historia ocidental, haverá garantia.


6. A verdade da esperança da ressurreição.

A concepção bíblica da historia universal pressupõe a expectativa apocalíptica de uma ressurreição da morte futura e geral? Vimos que essa expectativa forma um único pano de fundo contra o qual a ressurreição de Jesus pode ser vista em seu significado completo como a erupção da consumação de toda a historia. Porém, não e uma expectativa deste tipo, a qual deve ser contada entre as hipóteses antropológicas da fé crista, que o homem do século vinte reclama?

Creio que uma investigação moderna na natureza humana torna mais fácil a visão de como a verdade dessa expectativa e razoável. A abertura do homem para o mundo, transcendendo qualquer situação que surja no mundo, pode ser compreendida hoje somente em termos da expectativa de uma ressurreição. A expressão 'abertura ao mundo' implica que aquele homem tem um destino infinito: de um modo diferente isso já era conhecido nos primórdios e por essa razão os filósofos constantemente assumiam uma vida apos a morte. A tradição filosófica entendeu seu destino, transcendendo a morte por ser a alma infinita e imortal.

Essa idéia nos parece estranha, uma vez que a nova antropologia trouxe a unidade de todos os acontecimentos mentais com os processos corporais e então não somos mais capazes de pensar como uma alma sem um corpo. Por esta razão, não mais concebemos o destino infinito de um homem alem da morte em termos da imortalidade da alma — if at all — apenas como uma ressurreição. Hoje seria possível redescobrir uma nova luz quanto a verdade da hipótese antropológica a respeito da concepção da historia bíblica do apocalipse: a expectativa da ressurreição dos mortos. A ressurreição de Jesus e interrompida como algo inteligível, embora seja historicamente atestada como um milagre, Ela, então, se torna novamente inteligível como a interrupção da consumação da historia, a qual para nos ainda esta por vir, mas para Jesus já aconteceu. Portanto, nosso vinculo com a morte de Jesus, com suas falas, seu sofrimento e cruz, também garantem nossa participação futura no que já apareceu apenas em Jesus, e também compartilhar a vida da ressurreição, na qual o destino do homem alcança a sua consumação.


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