domingo, 13 de junho de 2010

História dos escritos neotestamentarios - Parte III

 Parte 1, 2, 4.



A tradição cristã teve um papel muito importante para a preservação do Novo Testamento. Hoje percebemos que os copistas algumas vezes acabaram modificando palavras, intencionalmente ou não, mas eles são os responsáveis pelos manuscritos que temos hoje. É importante lembrar que mesmo com os erros que estes copistas cometeram, deve-se levar em consideração que nenhuma doutrina essencial ao cristianismo foi afetada, afinal a maioria das variantes textuais são diferenças ortográficas, ordem de palavras e, como disse, acréscimos de palavras. Muitas vezes, por exemplo, algum copista colocava ao lado do texto algum comentário, e outro, sem perceber, copiava o texto junto com o comentário como se fizessem parte do que o autor escreveu. Também ocorria de saltarem alguma linha, ou pularem certas letras ou palavras. Isso aconteceu principalmente porque a maioria dos copistas não eram profissionais, nem sabiam realmente ler o texto em grego. Isso era muito comum naquela época. No livro O pastor de Hermas se pode ver um exemplo desse tipo de cópia. Depois de dizer para uma anciã que não consegue lembrar de tudo que ouviu, pede o livro para fazer uma cópia:

Eu o tomei e fui para outra parte do campo, onde copiei todo o conjunto, letra por letra, mesmo não sabendo distinguir as sílabas. E, ao final, quando completei as letras do livro, ele foi de repente arrebatado de minha mão; mas não vi por quem (O pastor, 5,4)

Norman Geisler comenta que:

Embora nem todos os copistas do Novo Testamento fossem escribas treinados profissionalmente, eles foram capazes de transcrevê-lo com tanto cuidado que a precisão desse processo ficou demonstrada pela nossa capacidade de determinar o texto original com um grau de precisão muito grande mais elevado do que qualquer outro livro da antiguidade

É bom lembrar que nem todos os copistas eram iletrados, e que, quando se fala de copistas profissionais, se referimos a pessoas treinadas e pagas para isso. É claro que dentre os fieis existiam pessoas letradas e que voluntariamente faziam as cópias. Mais tarde os monges também recebiam um tipo de treinamento para copiar o Novo Testamento, embora não fossem pagos para isso.

Outra forma de preservação textual que observamos hoje são as citações dos pais da igreja. De fato, somente com as citações dos pais da igreja poderíamos reconstruir grande parte do Novo Testamento. Por isso, através desses manuscritos feitos por esses copistas, as citações dos pais da igreja, também incluindo traduções para outras línguas como Etíope, Eslavo, Armênio, Copta e latim, e os estudos atuais podemos ter certeza de que a doutrina cristã foi bem preservada na sua forma escrita. Como o objetivo aqui não é provar a autenticidade (para isso existem vários estudos), penso que até aqui o que foi colocado é importante para o assunto tratado no livro.

Como podemos ver, mesmo com todos os problemas enfrentados na escrita e preservação, a tradição teve grande importância para (1) preservar a tradição oral do primeiro século, pois Jesus ensinou seus apóstolos e outros discípulos, estes além de ter ensinado outras pessoas com um ministério parecido, colocaram seus ensinamentos por escrito (2) registrar essa tradição oral em textos que eram lidos nas comunidades cristãs e desde o inicio foram considerados inspirados da mesma forma que o Antigo Testamento; (3) copiar o Novo Testamento de forma que hoje, através de sérios estudos, podemos garantir sua autenticidade. Portanto, quem nega a tradição diz que o Novo Testamento não é importante, e afirmar que somente as escrituras têm primazia é a mesma coisa que afirmar que a tradição apostólica é a única verdadeira e importante quando se trata de ensinamentos cristãos.

Isso é um passo importante, pois vimos que a tradição posterior só vai ser considerada apostólica realmente se dar continuidade a esses ensinamentos e não contradizê-los. Até porque existem tradições diferentes em algumas religiões, onde dizem que o Novo Testamento foi adulterado. Os muçulmanos, por exemplo, dizem que o que possuímos hoje sobre Jesus foi adulterado pelos cristãos convertidos do paganismo, que incorporaram crenças pagãs, como a divindade de Jesus e a Trindade, mas que não era originalmente o ensino de Jesus nem os primeiros cristãos acreditavam nisso, mas que só posteriormente estes ensinos foram decretados no Concílio de Nicéia. Certa vez assisti a um filme que mostrava o evangelho segundo os muçulmanos. Vários ensinos mostrados nesse evangelho são muito posteriores ao primeiro século e a tradição cristã mais antiga, e muito diferente também. O problema, não só nesse ensino, mas em outros também, é que querem interpretar a vida de Jesus com um pensamento pré estabelecido do que Jesus não poderia ter dito, e isso impede que se avaliem as fontes antigas com imparcialidade. Eles acabaram por aceitar como textos não adulterados pelos cristãos, não aqueles que a critica textual e um estudo sério apontam, mas os que claramente vão de encontro com sua doutrina. Citei o islã como um exemplo, porém existem muitas outras tradições religiosas que seguem este mesmo caminho. Caminho que, por preconceito e pressuposições, ignoram o que as evidencias apontam.

Quanto a esse pensamento de que os cristãos, após algum tempo, inseriram doutrinas diferentes da que Jesus ensinava e que a igreja primitiva acreditava (principalmente quando se trata da Divindade de Jesus e a Trindade), se dá pra perceber que isso não passa de um mito muito divulgado.

Mais tem algo que precisa ser tratado, e é outro ponto importante: como o Canon do Novo Testamento foi desenvolvido? Os cristãos escolheram arbitrariamente, ou os textos tiveram sua relevância e inspiração expostas de outra forma?

Autor: Jonadabe Rios

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