quinta-feira, 12 de abril de 2012

Isabel: princesa, católica e antiescravagista.


Achei esse texto interessante, por isso resolvi postar:

"[...] O imperador não era ateu nem propriamente anticlerical. Cumpria normalmente suas obrigações de católico, mesmo quando não era obrigado pelo cerimonial. Quando esteve à morte em Milão, recebeu os sacramentos da Igreja, o mesmo acontecendo por ocasião da morte em Paris. Mas era, sobretudo, um racionalista do século XVII e um regalista. A condessa de Barral, ela própria uma ultramontana, o criticou na época do episódio do roubo das jóias, dizendo que, em matéria de catolicismo, ele acreditava mas não obedecia, no que, aliás, não se distinguia da maioria da elite brasileira. Já no exílio, d. Pedro ainda teve grandes discussões sobre religião com o conde de Aljezur, outro católico intransigente. Anotou no diário que respeitava a religião porque se convencia de que ela não exigia a abdicação da razão dada pelo criador.

Embora rejeitasse a supremacia da Igreja sobre o Estado, julgava que a união dos dois poderes devia ser tolerada enquanto as circunstâncias do país, isto é, a precária situação educacional, o exigissem. A Igreja tinha, então, uma função pedagógica e de manutenção da ordem. O imperador apoiava o casamento civil, os registros civis de nascimento e morte, a secularização dos cemitérios. Registrou em diário ser contra o ensino religioso em escolas públicas. Sintomaticamente, não consta que tivesse, nos anos finais do regime, relações próximas com nenhuma autoridade eclesiástica com quem pudesse discutir o problema das relações entre Igreja e Estado.

Estranhamente, apesar de cuidar de perto da educação das filhas, d. Pedro não conseguiu transmitir suas convicções à herdeira do trono. Isabel era uma ultramontana. Vivia criticando o pai pela tolerância religiosa. Já no exílio, mas ainda na fase de discussões de uma possível restauração, censurou-a por querer visitar Paray-le-Monial, num centro de romaria ligado ao culto do Sagrado Coração. Argumentou que o ato “lhe aumentaria a fama de beata prejudicando-a na opinião”. Isabel não lhe deu atenção e fez sua romaria. No Brasil, ela se aliou a políticos ultramontanos, e, no momento em que o imperador enfrentava os bispos e Pio IX, correspondia-se com o papa pedindo a canonização de Anchieta. Em 1888, Leão XIII lhe concedeu a Rosa de Ouro, condecoração reservada aos chefes de Estado, católicos, naturalmente, que se tivessem salientado por atos de benemerência. No caso, o ato meritório era a abolição da escravidão. Na entrega da Rosa, feita na capela imperial, discursou ninguém menos do que o bispo do Pará, d. Antônio de Macedo Costa, o mesmo que fora mandado para a cadeia em 1874. Não é difícil deduzir que os bispos apostavam num terceiro reinado com Isabel, como oportunidade de ouro para ter no governo uma aliada incondicional de suas idéias."

Carvalho, José Murilo de
D. Pedro II / por José Murilo de Carvalho, corrdenação Elio Gaspari e Lilia M. Scwarez – São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Nenhum comentário:

Postar um comentário