quarta-feira, 4 de abril de 2012

O Jesus do "Código da Vinci" - Por H. Wayne House


Esse já é um assunto batido, mas sempre tem gente pousando de conhecedor depois que leu livros como o Código da Vinci. Eu lembro da tempestade em copo d'água que foi feito, inclusive de um professor meu que estava jogando na cara dos seus alunos o quanto a Bíblia é falsa, como "prova" o Código da Vinci. Por muitas das afirmações falsas que estão no livro ainda serem divulgadas e cridas (nem todos passaram a acreditar por meio desse livro, mas é o mais comum), resolvi postar esse comentário. Bom proveito:

Em 2003, o escritor Dan Brown publicou seu quarto livro, O Código da Vinci. O livro é um romance, embora Brown afirme: “Todas as descrições de ilustrações, arquitetura, documentos e rituais secretos desse romance são exatos”, declaração que provocou alvoroço na comunidade cristã. As asserções de Brown a respeito de Jesus foram tão radicais quanto falsas. Os erros bem documentados em O código da Vinci levaram Sandra Miesel, da revista Crisis, a gracejar: “o Livro O código da Vinci está tão cheio de erros que o leitor instruído, na verdade,aplaude as raras ocasiões que Brown tropeça (sem querer) na verdade”. [1] Até mesmo Bart Ehrman, que discutiremos mais adiante neste capítulo, tem palavras depreciativas para a falta de exatidão histórica de Brown e sua pesquisa descuidada. [2]

Infelizmente, talvez muitas pessoas não tenham o discernimento de separar a verdade da ficção na obra de Brown. Embora o alvoroço em relação ao romance tenha se aquietado, alguns dos argumentos apresentados no livro continuam a reverberar em toda a sociedade. A popularidade do livro O código da Vinci levou a um aumento da aceitação pública pela busca de alternativas à percepção ortodoxa de Jesus. Todavia, muitas afirmações feitas por Brown são simplesmente recontagens exageradas dos debates dos estudiosos da atualidade. Limitaremos nossa crítica às afirmações de Brown a respeito de Jesus, especialmente em relação à divindade dele, e às interpretações errôneas de Brown das versões gnósticas de Jesus.

O Jesus humano de Dan Brown

Jesus foi feito Deus no Concílio de Niceia. A certa altura do romance, um dos personagens de Brown está instruindo outro a respeito do Jesus “real”. Ele diz: “Nessa reunião [Concilio de Nicéia], muitos aspectos do cristianismo foram debatidos e votados – a data da Páscoa, o papel dos bispos, a administração dos sacramentos e, claro, a divindade de Jesus”. Mais adiante, esse personagem, Teabing, em um diálogo, diz a outro:

- Meu caro, até esse momento da história, Jesus foi visto por seus seguidores como um profeta mortal, [...] um grande e poderoso homem, mas apenas um homem. Um mortal.- Não como o Filho de Deus?- Isso mesmo, o estabelecimento de Jesus como “o Filho de Deus” foi oficialmente proposto e votado no Concílio de Nicéia.

Brown continua e, ainda por intermédio desse personagem, declara que a votação foi secreta, e que era Constantino quem desejava se tornar o Jesus divino. Ele diz que a igreja roubou Jesus de seus seguidores primitivos, “seqüestrando a mensagem humana dele, envolvendo-a em um impenetrável manto de divindade e usando-a para expandir o poder dela mesma”. Ele alega que os “evangelhos” que enfatizavam a humanidade de Jesus foram reunidos e queimados por Constantino, mas alguns escaparam da destruição. Aqueles que usavam esses evangelhos eram chamados de “heréticos”, embora usassem os evangelhos “originais”. Entre esses “evangelhos heréticos”, diz Brown, estavam os pergaminhos do Mar morto e os “pergaminhos cópticos” encontrados em Nag Hammadi. [3] Brown argumenta que esses documentos “falam do ministério de Cristo em termos bem humanos”.

Resposta à alegação de Brown

O suporte bíblico para a divindade de Jesus. Essa bizarra declaração a respeito de Jesus simplesmente é falsa, e isso é fácil de provar. Primeiro, os próprios evangelhos testificam a divindade de Jesus. João 1.1,2 diz “No principio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus”. João 8:58 afirma: “Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão existisse, Eu Sou”. Mesmo se aceitarmos a erudição mais liberal de que o Evangelho de João foi escrito mais de dois séculos antes do Concílio de Nicéia. O apóstolo Paulo, na epístola aos Romanos, escrita em 55 e 57 d.C., pouco mais de vinte anos após a crucificação de Jesus, indica claramente que Jesus era divino: “O Cristo segundo a carne, o qual é sobre todas as coisas, Deus bendito eternamente. Amém” (Rm 9:5).

A divindade de Jesus na igreja pós-apostólica. A doutrina da divindade de Jesus foi defendida e ensinada logo no início da igreja. O pai apostólico Inácio acreditava na divindade de Jesus e, por volta de 105 d.C., escreveu: “Deus mesmo sendo manifestado na forma humana para a renovação da vida eterna”. [4]

Justino Mártir escreveu na primeira metade do éculo II: “O Pai do universo tem um Filho, que sendo também o primogênito Verbo de Deus, é mesmo Deus” [5]

Clemente, por volta de 150 d.C., defendeu a divindade de Jesus e a Trindade ao dizer: “Se esse é seu desejo, seja também você iniciado; e você se juntará ao coro com os anjos em torno do não gerado, indestrutível e único verdadeiro Deus, a Palavra de Deus, engrandecendo o hino conosco. Esse Jesus, que é eterno, o único grande Sumo Sacerdote do único Deus e Pai dele, ora pelos homens e os exorta”. [6]

A divindade de Jesus no Concílio de Nicéia. Dan Brown parece não saber do que se tratava o Concílio de Nicéia. Não era a divindade de Jesus que estava em debate, mas o novo ensinamento de um homem chamado Ário. O Concílio de Niceia não foi convocado para solidificar o poder com a elaboração de uma nova doutrina, mas para unificar a igreja e defender o ensinamento original das novas idéias. Ário acreditava que Jesus era divino, mas de forma diferente ou menor que o Pai, pois ele alegava que Jesus fora criado pelo Pai. A grande maioria dos bispos presentes no Concílio de Niceia era contra esse ensinamento. O único debate em relação à linguagem do credo apresentado por eles seria para descrever de forma mais acurada a relação do Pai e do Filho. [7]

Por fim, eles chegaram à linguagem familiar do Credo de Niceia:

Creio em um só Deus, Pai Onipotente, criador do Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis e em Jesus Cristo, Senhor nosso, Filho de Deus unigênito, e nascido do Pai, antes de todos os séculos.

Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro, gerado, não feito, da mesma substância do Pai e pelo qual foram feitas todas as coisas, o qual por nós foi crucificado e por nossa salvação desceu dos céus, encarnou por obra do Espírito Santo, de Maria Virgem e foi feito homem.

Foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras. E subiu ao céu, onde há de vir segunda vez para julgar os vivos e os mortos e o seu Reino não terá fim.

Creio no Espírito Santo que também é o Senhor e dá vida, e procede do Pai e do Filho com os quais é juntamente adorado e glorificado, e que falou pelos profetas. Creio na Igreja que é uma, santa, católica e apostólica. Creio no Batismo para a remissão dos pecados e espero a Ressurreição dos mortos e a vida do futuro século. Amém.

Quanto à “reunião” realizada por Constantino de todos os “evangelhos heréticos”, os próprios escritos de Nag Hammadi comprovam que são falsos. Eles são datados de alguma época do século IV, provavelmente, depois de 350 d.C., e é possível que, até mesmo, sejam de “uma geração posterior” [8], tornando a composição deles, pelo menos, 25 anos posterior ao Concílio de Niceia.

A humanidade de Jesus no gnosticismo e nos evangelhos canônicos. De acordo com Brown, o Jesus dos evangelhos gnósticos é mais humano que o Jesus dos evangelhos canônicos. [...] A palavra gnóstico é um termo abrangente para um sistema filosófico baseado em “conhecimento secreto” (o termo gnóstico deriva da palavra grega para conhecimento). Os gnósticos acreditavam possuir o conhecimento correto do que era a realidade, o que não era visível para todas as outras pessoas.

Havia algumas crenças básicas entre os gnósticos. A essência divina original produziu outras essências divinas, mas aconteceu algum tipo de queda no reino espiritual. Como resultado disso, a matéria veio à existência. Essa matéria, portanto, foi produzida do mal. Todavia, parte da natureza original, pura e espiritual foi posta em algumas almas. Essas almas atravessaram o mundo material em seu retorno ao mundo divino, mas foram presas em sua “concha” material. Um “redentor”, a saber, Jesus, veio para revelar o meio de escapar do mundo material por meio desse bocado de natureza divina. [9]

Contudo, uma vez que, no gnosticismo, a matéria é inerentemente má, o Jesus gnóstico classifica-se em algum ponto entre ser um veículo humano para o espírito divino do Filho e uma simples aparição que não tem, de modo algum, forma material. Os evangelhos gnósticos, em vez de enfatizar a humanidade de Jesus, quase a excluem.

Retirado do livro “O Jesus que nunca existiu”. Para mais informações sobre as fontes pré-nicenas da divindade de Jesus, conferir aqui e aqui.

1 – MIESEL,Sandra. “Dismantling the Da Vinci Code”, reista Crisis, 8 de julho de 2004.
2 – Ehrman diz: “Como a maioria dos historiadores que dedicou a vida ao estudo das fontes antigas de Jesus e do cristianismo primitivo, comecei imediatamente a ver problemas nas alegações históricas feitas no livro. Havia inúmeros erros, alguns ridículos, que não só eram óbvios para um especialista, mas também desnecessários para a trama. Se o autor tivesse apenas feito um pouco mais de pesqusia, teria sido capaz de apresentar um relato histórico mais preciso, sem compreometer de forma alguma a história que ele tinha para contar” Ehrman, Bart D. Truth and fiction in the da Vinci Code. New York: Oxford University press, 2004, p. xiii.
3 – Brown é simplesmente negligente aqui. Os pergaminhos do mar Morto não contêm evangelhos, mas são textos judaicos que não fazem menção a Jesus. A maioria deles foi escrita entre cinqüenta e cem anos antes de Jesus. Os “pergaminhos cópticos” são escritos gnósticos que incluem alguns ‘evangelhos’ entre muitas outras obras. Geralmente eles são chamados de Biblioteca Nag Hammadi e não são, de maneira alguma, pergaminhos, mas livros encadernados chamados códices.
4 – Ignatius, Epistle to the Ephesians, p. 19 (ANF 2.205)

5 – Mártir, Justino, The frist apology, p. 43 (ANF 1.184)
6– Clemente de Alexandria, Exhortation to the Heathen, p. 12 (ANF 2.205).
7 – Ferguson, Everett. Church history, Volume I: From Christ to Pre-Reformation. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2005, p; 191-95;
8 – Brannan, Rick. “Historic Creeds and Confessions” Ed.eletrônica. Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc., 1997, artigo 12.
9 – Ferguson, Everett. Church history, vol. 1: From Christ to Pre-reformation. P. 93

*** Em breve alguns comentários sobre certas alegações de alguns muçulmanos.

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