sexta-feira, 11 de maio de 2012

Origem do Alcorão (3) - O Argumento da preservação

Os artigos anteriores sobre o assunto podem ser vistos aqui: Primeira parte / Segunda parte.

A preservação do Alcorão prova sua alegada inspiração divina? Os muçulmanos dão a entender que o Alcorão existente hoje é idêntico aos manuscritos originais, o que colocaria o livro acima da Bíblia. Os críticos do Alcorão discordam disso. Primeiro, geralmente há um sério exagero com relação à preservação do Alcorão. Apesar de ser verdade que o Alcorão atual é quase uma cópia perfeita do seu original do século VII, não é verdade que seja exatamente igual ao que veio de Maomé.

O Alcorão foi originalmente ditado por Maomé e memorizado por seus seguidores devotos, a maioria dos quais foi morto logo após a morte de Maomé. Segundo a antiga tradição, os escribas de Maomé escreveram em pedaços de papel, pedras, folhas de palmeira, ossos e pedaços de couro. Os muçulmanos acreditam que durante a vida de Maomé o Alcorão já estava escrito. Mas, segundo o testemunho de Zayd, contemporâneo e seguidor de Maomé, Abu Bakr pediu-lhe para “procurar o Alcorão [diversos capítulos] e reuni-lo”. Ele respondeu: “Então, pesquisei o Alcorão: eu reuni a partir de folhas de palmeira, e pedras finas e brancas e peitos de homens...” (Pfander, p. 258-9). Na década de 650, durante o reinado de Otman ibn Affan, o terceiro califa muçulmano, relatou-se qie várias comunidades islâmicas estavam usando versões diferentes do Alcorão. Mais uma vez, Zayd foi chamado para preparar a versão revisada oficial. É essa versão que permaneceu uniforme e intacta, não a versão original vinda diretamente de Maomé.

No livro Materials for the history of the texto f the Qur’na [Materiais da história do texto do Alcorão], o arqueólogo europeu Arthur Jeffry revelou sua descoberta de uma das três cópias conhecidas de algumas obras islâmicas antigas chamadas Masahif. Esses livros relatavam o estado do texto do Alcorão antes da padronização, promovida por Otman. Isso revela, ao contrário da reivindicação dos muçulmanos, que existiram vários textos diferentes antes da revisão de Otman. Na realidade, como Dashti indica, alguns versículos do Alcorão foram mudados por sugestão dos escribas de Maomé, e outros por causa da influência de Omar I, segundo califa do Império Muçulmano, sobre Maomé.

Jeffry conclui que a recensão de Otman "foi o toque político necessário para estabelecer o texto padrão para todo o império". Já que havia grandes divergências entre as versões de Medina, Meca, Basra, Kufa e Damasco, "a solução de Otman foi canonizar o Códice de Mediria e ordenar que todos os outros fossem destruídos5'. Portanto, ele conclui: "resta pouca dúvida de que o texto canonizado por Otman foi apenas um dentre vários tipos de texto existentes na época" (Jeffry, p. 7-8).

Nem todos os muçulmanos atualmente aceitam a mesma vetsão do Alcorão. Os muçulmanos sunitas aceitam a tradição sahih de Masud como autoritária. Masud foi uma das poucas pessoas autorizadas por Maomé a ensinar o Alcorão. Mas o Códice de Ibn Masud do Alcorão tem um grande número de variações em relação à recensão de Otman. Só na segunda surata há quase 150 variações. Jeffry precisou de aproximadamente 94 páginas para demonstrar as variações entre os dois. Ele também destaca que as leituras variantes não são apenas questão de pequenas variações lingüísticas, como muitos muçulmanos afirmam. Jeffry conclui que o texto de Otman que foi canonizado era apenas um entre vários, e "há suspeita grave de que Otman possa ter editado seriamente o texto que canonizou" (Jeffry, ix-x).

A tradição islâmica revela certas coisas que não se encontram no Alcorão atual. Uma delas é que Ayishah, uma das esposas de Maomé, disse:
Entre o que foi enviado do Alcorão estavam dez (versículos) bem conhecidos sobre amamentação, que era proibida: depois foram anulados por cinco bem conhecidos. Então o enviado de Alá faleceu, e eles são o que se recita do Alcorão (Pfander,p.256).
Outro exemplo de algo que não é encontrado no Alcorão atual é o que Ornar disse:
Em verdade Alá enviou Maomé com a verdade, e fez descer para ele o Livro, e da mesma forma o Versículo do Apedrejamento era parte do que o Altíssimo enviou: o enviado de Alá apedrejava, e apedrejamos como ele, e no Livro de Deus o apedrejamento é o castigo do adúltero" (Pfander,p.256).
Essa revelação original foi aparentemente mudada, e uma centena de chibatadas substituiu o apedrejamento como castigo pelo adultério (24.2).

Os denominados "versículos satânicos" ilustram outra mudança no texto original. Segundo uma versão desses versículos, Maomé teve uma revelação em Meca, que permitia a intercessão de certos ídolos, que dizia:

Considerastes al-Hat e al-Uzza
E al-Manat, o terceiro, o outro?
Estes são os cisnes exaltados;
Sua intercessão é esperada;
Seus desejos não são negligenciados (Watt, p. 60).

Pouco tempo depois disso Maomé recebeu outra revelação cancelando os três últimos versículos e substituindo o que encontramos agora na surata 53 versículos 21-23 que omitem a parte sobre intercessão desses deuses. Segundo Watt, ambas as versões haviam sido recitadas em público. A explicação de Maomé foi que Satanás o enganou e inseriu os versículos falsos sem que ele soubesse!
W. St. Clair-Tisdall, que trabalhou por muito tempo entre os muçulmanos, indicou que mesmo no Alcorão atual existem algumas variações.

Dentre as diversas variações podemos mencionar: 1) Na surata 28.48, alguns apresentam Sahirani em vez de Sihrani; 2) na surata 32.6, depois de ummahatuhum um texto acrescenta as palavras wahua abun lahum; 3) na surata 34.18, em vez de rabbana ba’id, algumas versões trazem rabuna ba’ada; 4) na surata 38.22, em vez de tis’un outro texto coloca tis’atun; 5) na surata 19.35, em vez de tantaruna alguns contêmyamtaruna (Clair-Tisdall, p. 60).

Apesar de os muçulmanos xiitas serem minoria, são o segundo maior grupo islâmico do mundo, com mais de cem milhões de seguidores. Eles afirmam que o califa Otman eliminou intencionalmente muitos versículos do Alcorão que mencionavam Ali.

L. Bevan Jones resumiu bem a questão no livro The people ofthe mosque [O povo da mesquita], quando disse:
apesar de ser verdadeiro que nenhuma outra obra permaneceu durante doze séculos com um texto tão puro, provavelmente também é verdadeiro que nenhuma outra sofreu mudanças tão drásticas (Jones,p. 62).
Mesmo que o Alcorão fosse cópia perfeita do original dado por Maomé, isso não provaria que o original foi inspirado por Deus. Tudo o que demonstraria é que o Alcorão atual é uma cópia idêntica do que Maomé disse. Não diria ou provaria nada sobre a verdade do que ele disse. A afirmação muçulmana de que têm a religião verdadeira porque têm o único livro sagrado perfeitamente copiado é tão logicamente falha quanto preferir uma nota perfeitamente falsificada de mil dólares em lugar da genuína ainda que pouco imperfeita. A questão crucial em que os apologistas muçulmanos cometem uma petição de princípio, é se o original é a Palavra de Deus, não se eles possuem uma cópia perfeita dele.

Um comentário:

  1. Há duas passagens interessantes na tradução de Mansur Challita, na Sura 2,106 "Os versículos que ab-rogamos ou desprezamos neste Livro, Nós os substituímos por outros, iguais ou melhores. Não sabeis que Deus tem poder sobre tudo?" e na Sura 4, 136 " Ó vós que credes, crede em Deus e no Seu Mensageiro e no Livro que foi revelado ao Mensageiro e no Livro que foi fora anteriormente revelado. Quem renega Deus e Seus anjos e seus livros e Seus Mensageiros e o último dia vai muito longe no erro". Esse é mais intrigante porque fala de um outro livro; qual se refere?

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