quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Credo - Missa Tridentina


Essa parte é grande, mas rica, por isso resolvi colocá-la toda, em vez de apenas comentar.

O leitor poderá perceber cada vez mais a riqueza da liturgia, e ver que boa parte das acusações protestantes contra a Igreja não possuem fundamento.

Já adianto aqui que em breve estarei sorteando um livro desse.

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Bom proveito:

Ao Evangelho sucede o Credo. O fim proposto pela recitação do Credo é levar os fiéis a confessar a fé. Como sua fé está baseada no Santo Evangelho, o Credo se segue imediatamente à leitura da Palavra Sagrada. É conveniente que os fiéis façam sua profissão de fé contra as heresias.

Além dos domingos, diz-se o Credo nas festas dos Apóstolos, que pregaram a fé; nas festas dos doutores que a defenderam; na de Santa Madalena, que foi a primeira a crer na ressurreição, anunciou-a aos Apóstolos e foi assim apóstolo dos apóstolos; nas festas dos Santos Anjos, porque é deles que se diz: factorem caeli et terrae, visibiliu omnium et invisibillium - criador do céu e da terra, das coisas visíveis e invisíveis; nas festas da Virgem Santíssima, pois o Símbolo fala igualmente de Nossa Senhora (no entanto, não se diz nas missas votivas). Diz-se ainda na festa da dedicação de uma igreja e nas festas dos padroeiros, porque se supõe que haverá nesses dias mais concurso de povo; é o que acontece quando a festa de São João Batista cai no domingo; quando cai em outro dia não é dito, porque São João veio antes da consumação dos mistérios, e não se fala dele no Símbolo. Diz-se também o Credo por causa da concorrência do povo, quando uma igreja possui uma relíquia insigne do santo festejado nesse dia.

O Credo que a Santa Igreja emprega na Santa Missa não é o Símbolo dos Apóstolos, é o de Nicéia; e, se quisermos ser mais exatos, devemos chamá-lo de Símbolo de Nicéia-Constantinopla, porque todo o artigo do Espírito Santo foi acrescentado, contra Macedônio, no primeiro Concílio de Constantinopla.

Até o século XI, o Credo não era recitado publicamente na Igreja Romana. Santo Henrique, Imperador da Alemanha, vindo a Roma, surpreendeu-se por não escutar o Credo. Falou então ao Papa Bento VIII, que ocupava a cátedra de São Pedro, e este pontífice respondeu que a Igreja Romana marcava assim a pureza de sua fé, já que não havia necessidade de rejeitar o erro que não estava em seu seio. No entanto, logo depois da observação do santo Imperador, o Papa decidiu que o Credo seria dito na missa nos dias de domingo, na Igreja Romana, a fim de que esta confissão de fé fosse sublinhada, por ser proclamada pela própria cátedra de São Pedro,.

O Símbolo de Nicéia é mais longo do que o dos Apóstolos, apesar de este conter igualmente todas as verdades da fé; mas, com as heresias aparecendo sucessivamente, foi necessário dar desenvolvimento a cada um dos artigos que eram atacados, sendo assim cortados pela raiz os diversos erros, na media em que apareciam. O símbolo contém tudo o que devemos crer porque dizemos: Credo Ecclesiam; crendo tudo o que crê a Santa Igreja, possuímos tudo o que foi adotado, tudo o que foi declarado como verdade, nos Concílios de Nicéia, de Constantinopla e em todos os seguintes.

Eis como começa este Símbolo: Credo in unum Deum.

Notemos a diferença. Os Apóstolos não puseram a palavra unum, não julgaram necessário em sua época. Foi no Concílio de Nicéia que a Igreja achou necessário acrescentá-la, a fim de manter a afirmação da unidade divina ao lado da profissão expressa da trindade das Pessoas, dirigida contra os arianos.

Mas por que dizemos: Credo in Deum? Qual é aqui a utilidade desta preposição in?

Ela é de grande importância e compreende-se facilmente. A fé não é outra coisa do que um movimento de nossa alma para Deus; a fé, unida à caridade, a fé vida que a Igreja colocou no coração de seus filhos, tende, por sua natureza, para Deus, sobe e se eleva para ele, Credo in Deum.

Há duas maneiras de se conhecer a Deus. Um homem que vê todas as coisas que compõe o universo: a Terra com suas produções numerosas, o firmamento enriquecido com seus astros, no meio dos quais brilha o Sol com um esplendor magnífico, e onde todas as revoluções se operam de maneira tão admirável; esse homem, digo, diante de tantas maravilhas, dispostas com tanta ordem e perfeição, não pode deixar de reconhecer que alguém fez tudo isso: é o que se chama uma verdade racional. Tal é pois a maneira de conhecer a Deus pela razão: cê-se a criação e se conclui que é a própria obra de Deus.

Mas quando dizemos: conhecer a Deus como Pai, Filho e Espírito Santo, é preciso, certamente, que Deus nos tenha dito e que acreditemos em Sua Palavra, pela fé, quer dizer, por esta disposição que nos é dada sobrenaturalmente de crer naquilo que Deus disse, de nos entregarmos à Sua Palavra. Deus me revela tal coisa por sua Igreja; logo saio de mim mesmo, lanço-me para Ele e reconheço como verdade o que Ele se digna me revelar. É assim que confessamos nosso Deus: Credo in unum Deum, Patrem omnipotentem.


Factórem cæli et terræ, Visibílium ómnium et invisibílium - Deus fez o céu e a terra, todas as coisas visíveis e invisíveis. Custava aos gnósticos atribuir a Deus a criação da matéria e dos seres visíveis; foram condenados por essa decisão do Concilio de Nicéia, que determinou que todas as coisas visíveis e invisíveis, visibilium et invisibilium, são obra de Deus. Rende-se, assim, homenagem ao Deus eterno, por ser todo poderoso e por ter criado, por este poder, todas as coisas visíveis e invisíveis. Por aí faz-se também profissão de fé à criação dos anjos.

Et in unum Dóminum Iesum Christum, Fílium Dei Unigénitum - E em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus. Dizemos aqui, outra vez: creio em um Senhor. A palavra unum é essencial: não é em dois Filhos que cremos, mas em um só; não é em um homem e em um Deus, separados e formando duas Pessoas diferentes: é na mesma Pessoa, a do Filho único de Deus. Mas porque o chamamos Senhor de uma maneira tão especial? Já o tínhamos dito, falando do Pai. Damos este título a Jesus Cristo porque somos duas vezes Dele. Primeiramente somos Dele porque nos criou com o Pai, que fez todas as coisas por Seu Verbo; além disso, somos Dele porque nos redimiu por Seu Sangue e nos arrancou do demônio; somos Sua compra, Seu bem, Sua possessão; além de ser nosso Criador, nos possui a outro título, e Seu amor pelas almas leva-O a querer possuí-las como Esposo.

Um Filho em Deus, eis um exemplo do conhecimento de Deus diferente do conhecimento racional, de que falamos mais atrás. A razão, por si só, não poderia nos mostrar que há em Deus um Pai e um Filho: é preciso, para sabê-lo, ou estar no céu ou isto ser revelado pela Escritura ou pela Tradição. Assim como cremos em um só Deus Pai e não em dois, assim cremos em um só Filho: et in unum Dominum Jesum Christum, Filium Dei Unigenitum.

Et ex Patre natum, ante omnia saecula — nascido do Pai antes de todos os séculos. Os séculos não tinham começado quando Deus fez sair de suas mãos a obra da criação. Para que houvesse século, era preciso que o tempo existisse. E para que houvesse tempo, era preciso haver os seres criados. Ora, antes de todos os séculos, antes que algo tivesse saído do nada, o Filho de Deus tinha saído do Pai, assim o confessamos pelas palavras: Et ex Patre natum ante ómnia sæcula.Deum de Deo, lumen de lúmine, Deum verum de Deo vero, — nascido do Pai antes de todos os séculos. Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.

O mundo criado procede de Deus, já que é Sua obra. Mas ele não é Deus por isso: o Filho de Deus, ao contrário, saindo do Pai, é Deus como Ele, porque é engendrado nEle: de sorte que tudo o que se diz do Pai convém ao Filho, salvo que Ele não é o Pai, mas é sempre a mesma substância, a mesma essência divina.

No entanto, como o Filho pode ser da mesma substância do Pai, sem que esta substância seja esgotada? Santo Atanásio, talando sobre esse assunto, faz a seguinte comparação que, apesar de material, nos faz apreender um pouco dessa verdade. Assim, diz ele, como uma tocha, tomando sua luz de outra tocha, não diminui em nada aquela onde foi acesa, assim o Filho de Deus, tornando a substância do Pai, não diminui em nada essa substância divina que possui com ele. Ele é verdadeiramente Deus deDeus, Luz da luz, verdadeiro Deus de Deus verdadeiro,

Genitum, non factum - Gerado, não criado. Nós, criaturas humanas, somos feitos, somos todos obra de Deus, sem exceção, mesmo a Virgem Maria e os anjos. O Verbo, Filho de Deus, não é assim: ele é engendrado, não criado; sai do Pai, mas não é sua obra. Tem a mesma substância, a mesma essência, a mesma natureza do Pai.

Em Deus, devemos fazer a distinção das Pessoas, mas devemos também considerar sempre a mesma substância divina, tanto para o Pai e o Filho como para o Espírito Santo: Idem quoad substantiam. E Nosso Senhor nos diz, ele próprio: Ego et Pater unum sumus; são uma mesma coisa, mas as Pessoas são distintas; Pai, Filho e Espírito Santo, são os três termos que servem para designar as Pessoas. E, pois, muito importante essa palavra do Concilio de Nicéia: consubstantiálem Patri, consubstancial ao Pai. Sim, o Filho é gerado pelo Pai, tem a mesma sustância, é a mesma essência divina.

Per quem ómnia facta sunt — por quem todas as coisas foram feitas. Está dito no começo do Símbolo que Deus fez o céu e a terra, todas as criaturas visíveis e invisíveis; e aqui nos diz, falando do Verbo, Filho de Deus, que todas as coisas foram feitas por Ele. Como enquadrar tudo isso? — Compreende-se facilmente comparando à nossa alma.

Três faculdades diferentes são postas nela para a realização de seus diferentes atos: a força, a inteligência e a vontade. Estas três faculdades são necessárias para que o ato seja feito. Pela força, a alma age, mas sua ação supõe o conhecimento e a vontade. Também Deus Pai Todo Poderoso fez todas as coisas por seu poder, fez tudo com inteligência por seu Filho; enfim. pôs sua vontade pelo Espírito Santo e assim o ato se realizou. Ií, pois, mais do que justo que digamos, quando falamos do Filho: Per quem ómnia facta sunt.

Qui propter nos hómines et propter nostram salútem descéndit de cælis — o qual, por amor de nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus. Depois de ter-nos mostrado o Verbo fazendo tão grandes coisas, a Igreja acrescenta que Ele veio à terra por nós, homens pecadores. E não somente veio pelo homem, mas veio para reparar os pecados do homem e para resgatá-lo da infelicidade eterna. Em uma palavra, para operar nossa salvação: et propter nostram salutem. Por esta causa desceu dos céus: descendit de caelis. Não obstante, não deixou o Pai e o Espírito Santo, não ficou privado, por isso, da beatitude da divindade, mas uniu-se ao homem e suportou nesse homem tudo o que o homem podia suportar, exceto o pecado: desceu dos céus para ser uma criatura, vivendo no meio de nós, andando conosco, conformando-se com todas as coisas da exigência da natureza humana.

Et incarnatus est de Spirítu Sancto - O Verbo se encarnou, fez-se carne por operação do Espírito Santo. Deus fez todas as coisas, e compreendemos como as fez pelas três Pessoas. No mistério da Encarnação, as três Pessoas divinas têm também sua ação. O Pai envia seu Filho, o Filho vem à Terra e o Espírito Santo preside esse sublime mistério.

Ex Maria Virgine - Atenção para essas palavras: ex Maria. Maria forneceu-lhe a substância de seu ser humano, substância que lhe era própria e pessoal, de modo que tomou de si mesma para dar ao Filho de Deus, tornado por isso mesmo seu Filho. O quanto foi preciso que Maria fosse pura para ser achada digna de dar ao Filho de Deus a substância do seu ser humano! O Verbo não quis se unir a uma criatura humana tirada imediatamente do nada, como o primeiro homem, mas ser da raça de Adão. Para isso encarnou-se no seio de Maria, o que o tornou filho de Adão. Não apenas desceu em Maria, mas tomou de Maria, ex Maria: ele é de sua própria substância.

Et homo factus est — E Ele fez-se homem. O Verbo de Deus não tomou somente a aparência de homem, mas fez-Se verdadeiramente homem. Nestas palavras sublimes vemos a própria divindade desposando a humanidade. A genuflexão é feita nesse lugar como uma marca de honra dada ao mistério da Encarnação.

Crucifíxus étiam pro nobis sub Póntio Piláto; passus, et sepúltus est — também por amor de nós foi crucificado, sob Pondo Pilotos, padeceu a morte e foi sepultado. Crucifixus. O Símbolo dos Apóstolos serviu-se igualmente dessa expressão. Os Apóstolos fizeram questão de dizer que Nosso Senhor foi crucificado, não dizendo simplesmente que ele morrera, porque era importante assinalar para todos a vitória da cruz sobre Satanás. Como fomos perdidos pelo madeiro, Deus quis que nossa salvação fosse também operada pelo madeiro, como cantamos: ipse lignum tunc notavit, damna ligni ut solveret — o próprio Deus destinou o madeiro para reparar a danação causada pelo madeiro. Sim, era preciso que o artifício do nosso inimigo fosse enganado por seu próprio artifício: et medelam ferret inde, hostis unde Iceserat, e que o remédio fosse tirado de onde o inimigo tirara o veneno
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Por esse motivo, os Apóstolos faziam tanta questão de assinalar o suplício do Senhor e, anunciando a fé entre os pagãos, falavam imediatamente da cruz. São Paulo, escrevendo aos Coríntios, lhes dizia que, indo até eles, não julgava que devesse lhes falar de outra coisa que não fosse de Jesus, e de Jesus crucificado: Non enim judicavi me scire aliquíd inter vos, nisi fesum Christum et hunc crucifixum^. Já lhes tinha dito: E nós, pregamos o Cristo crucificado: escândalo, é verdade, para os judeus, e loucura para os gentios: Judceis quidem scandalum, Gentibus autem stultitiam.

Jesus Cristo foi crucificado e acrescenta o Símbolo: pro nobis. Assim como dizemos propter nos homines descendit de caelis, era justo que a Santa Igreja nos lembrasse que se o Senhor foi crucificado, foi por nós. Crucifixus etiam pro nobis, sub Pontio Pilato passus. O nome do governador romano acha-se aqui mencionado pelos Apóstolos para dar uma uara.

Et sepultus est - Cristo sofreu, é verdade; é verdade que Ele foi sepultado e isso era preciso, porque se não fosse sepultado, como se cumpriria a profecia que dizia que deveria sair do túmulo no terceiro dia? Isso provava também que Sua morte foi real, completa e não fictícia, já que foi até o sepultamento, e a sepultura, como se pratica para os outros homens.

Et resurréxit tértia die, secúndum Scriptúras - No terceiro dia ressuscitou, conforme o que anunciavam as profecias, particularmente a do profeta Jonas. Nosso Senhor disse: "Esta geração má pede um sinal, mas não lhe será dado outro além do profeta Jonas", nisi signum Jonce prophetce33. Pois assim como Jonas ficou três dias e três noites no ventre da baleia, também o Filho do Homem ficará três dias e três noites no seio da terra.

Et ascendit in caelum - Subiu ao céu. O Verbo de Deus, vindo à terra para se fazer homem, não deixou por isso o seio de seu Pai. Aqui se diz que subiu ao céu no sentido de que sua humanidade efetivamente subiu e que foi objeto de uma entronização para a eternidade.

Sedet ad déxteram Patris - Está sentado à direita do Pai como mestre, como senhor. Mestre e Senhor, Ele sempre o foi segundo a natureza divina, mas devia ser também segundo a natureza humana e é o que exprimem estas palavras. De fato, devia ser porque a natureza humana, estando unida à natureza divina numa mesma Pessoa, que é a do Filho de Deus, pode-se dizer dela com toda verdade: o Senhor está sentado à direita do Pai. Davi o tinha anunciado quando dizia: Dixit Dominus Domino meo: sede a dextris meis. Isto nos prova a íntima união que existe entre a natureza divina e a natureza humana, na Pessoa de Nosso Senhor. Por isso, o Salmo 109 é verdadeiramente o salmo da Ascensão, porque é ali que o Senhor Pai diz ao Senhor Filho: senta à minha direita: Sede a dextris méis.

Et íterum ventúrus est cum glória, iudicáre vivos et mórtuos - O Credo fala de Nosso Senhor em duas vindas: na primeira Ele nasceu sem. glória e, como nos diz São Paulo, aniquilou-se tomando a forma de escravo: semetipsum exinanivitformam servi accipiens; na segunda deve vir com glória, venturus est cum gloria. E por que vem? Não mais para nos salvar, como da primeira vez, mas para julgar: judicare vivos et mortuos. Não somente virá julgar aqueles que estarão ainda na Terra no momento dessa segunda vinda, mas também todos os que estão mortos desde o começo do mundo, porque absolutamente todos devem ser julgados.

Cuius regni non erit finis — E seu reino não terá fim. Trata-se aqui do Reino de Jesus Cristo em Sua humanidade, pois na Sua divindade nunca deixou de reinar. Esse Reino será não somente glorioso, mas nunca terá fim.

A segunda parte do Credo termina aqui; é a mais importante. E justo que nessa confissão pública da nossa fé se falasse mais longamente de Jesus Cristo, porque pessoalmente Ele fez mais por nós, apesar de não ter feito nada sem o acordo e o concurso das duas outras Pessoas. Nessa parte O chamamos de Nosso Senhor. Esse título de Senhor convém ao Pai que nos criou, mas convém duplamente ao Filho que, além de nos ter criado, já que Deus faz todas as coisas por seu Verbo, nos resgatou. Nós Lhe pertencemos a duplo título.

Et in Spíritum Sanctum, Dóminum et vivificántem - Creio igualmente no Espírito Santo, ou seja, pela fé vou até Ele para a Ele aderir. E quem é o Espírito Santo? Dominurn. É Senhor, é Mestre como as outras duas Pessoas. Mas o que é mais? Vivificantem, dá a vida. Assim como a alma dá a vida ao nosso corpo, assim o Espírito Santo dá a vida à nossa alma, E o Espírito Santo que a anima pela graça santificante que nela derrama, a sustenta e a faz agir, vivifica-a e a faz crescer no amor. Do mesmo modo, na Igreja, é o Espírito Santo quem tudo sustenta, é Ele quem faz que todos esses membros, de nações, línguas e costumes tão diferentes, vivam a mesma vida, pertençam ao mesmo Corpo, cujo chefe é Jesus Cristo. Com efeito, todos têm a mesma fé, recebem as mesmas graças nos mesmos sacramentos, e as mesmas esperanças os animam e os confortam. Em uma palavra, o Espírito Santo sustenta a todos.

Qui ex Patre Filióque procédit — que procede do Pai e do Filho. Como se pode imaginar que o Pai e o Filho não sejam unidos? Havia necessidade de um laço que reunisse um ao outro. O Pai e o Filho não são apenas justapostos, mas um laço os une, os encerra, e esse laço procede de um e de outro formando um com eles. Esse amor mútuo é o Espírito Santo.

No Concilio de Nicéia, foi redigido o artigo do Símbolo que trata de Jesus Cristo; no Concilio de Constantinopla resolveram completar o Símbolo de Nicéia acrescentando o que se refere ao Espírito Santo, mas sem o Filioque; seria dito simplesmente: Qui ex Patre procedit.

Os padres desse Concilio não viram necessidade de dizer mais nada, porque as palavras de Nosso Senhor no Evangelho não podem deixar dúvida. Nosso Senhor tinha dito: "Enviarei o Espírito que procede do Pai" — ego mittam vobis a Patre, Spiritum veritatis, qui a Patre procedit; ele é, pois, também princípio do Espírito Santo, já que o enviou. O Pai envia o Filho, e fica claro para todos que o Filho emana do Pai, é engendrado por Ele. Nosso Senhor dizendo enviarei o Espírito, prova que Ele próprio é fonte do Espírito Santo, como o Pai. E se Nosso Senhor acrescenta essas palavras: Qui a Patre procedit, não é para nos dizer que o Espírito Santo procede somente do Pai; ao contrário, é para melhor explicar e para nos mostrar que não o envia sozinho, mas que o Pai O envia com Ele.

Os gregos não quiseram admitir essa verdade e levantaram uma discussão sobre essa passagem, a fim de destruir a Trindade. Mas compreende-se que a Trindade está ligada nas suas três Pessoas dessa maneira admirável, quer dizer, que a primeira Pessoa engendra a segunda, a primeira e a segunda estão unidas entre si pela terceira. Aquele que recusasse adotar a crença desse laço produzido pelo Pai e o Filho, e que Os reúne, isolaria completamente o Espírito Santo do Filho, o que destruiria a Trindade.

Foi na Espanha que se introduziu primeiro o Filioque no Símbolo, para explicar melhor o que tinham dito os Padres de Constantinopla; corria então o século VIII. A Igreja romana só o adotou no século XI. Sabia que isso provocaria dificuldades; mas vendo que essa medida tornava-se necessária, decidiu-se, e desde então essa adição no Símbolo é obrigatória para toda a Igreja.

Qui cum Patre et Fílio simul adorátur et conglorificátur — o qual é, com o Pai e o Filho igualmente adorado e glorificado. O Espírito Santo deve ser adorado porque é verdadeiramente Deus. Para se ter a verdadeira fé, não basta render homenagem ao Espírito Santo, é preciso adorá-lo corno Deus, assim como adoramos o Pai e o Filho, simul adoratur: é adorado ao mesmo tempo que as duas outras Pessoas divinas, simul. Nesse momento, a Santa Igreja quer que inclinemos a cabeça para render homenagem ao Espírito Santo, pois reconhecemos a sua divindade.

Et conglorificátur - É conglorificado, isto é, recebe glória com o Pai e o Filho; está dentro da mesma doxologia, quer dizer, na mesma glorificação: doxologia significa glorificação da grandeza e da majestade divina.

Qui locútus est per prophétas -  Eis outro dogma. O Espírito Santo falou pelos profetas, e a Santa Igreja o declara. Ela formulou esse artigo para confundir os marcionitas, que queriam admitir o princípio de uni Deus bom e um Deus malvado. Segundo eles, o Deus dos judeus não era bom. A Igreja, declarando que o Espírito Santo falou pelos profetas desde os livros de Moisés até os mais próximos do tempo de Nosso Senhor, proclama que a ação do divino Espírito Santo se estende sobre a Terra desde o princípio.

No dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos e veio sobre a terra para ficar, sendo sua missão diferente da de Nosso Senhor. O Verbo feito carne veio à Terra, mas, depois de certo tempo, voltou ao céu. O Espírito Santo, ao contrário, veio para ficar; Nosso Senhor disse que tal era sua missão, quando disse aos Apóstolos estas palavras: Et Paraclitum dabit vobis, ut maneai vobiscum in aeternum — Vos enviarei o Paraclito, que permanecerá convosco para sempre. Mais tarde lhes disse como este Espírito lhes ensinaria todas as coisas, sugerindo tudo o que Ele mesmo ensinara: et suggeret vobis omnia quacumque dixero vobis.

A Igreja, com efeito, precisou ser ensinada, ser guiada, conduzida e sustentada. Quem devia fazê-lo? Quem o fez? O Espírito Santo deve assisti-la até o fim dos séculos, segundo a palavra de Nosso Senhor. Por isso o Filho foi enviado pelo Pai, depois voltou ao céu; e o Pai e o Filho enviaram o Espírito Santo para permanecer com a Igreja até o fim. Nosso Senhor disse: "Meu Pai vos enviará o Espírito", e ainda: "Eu vos enviarei o Espírito" a fim de marcar as relações que existem entre as Pessoas divinas que não podem ser isoladas uma da outra, como quiseram os heréticos.

A Santa Igreja nos desdobrou, pois, o dogma da Santíssima Trindade. Primeiramente, o Pai Todo Poderoso, criador de todas as coisas; em seguida o Filho, descendo do céu, fazendo-se homem e morrendo por nós, depois ressuscitando vencedor da morte e triunfando em sua Ascensão; enfim, vem o Espírito Santo, Senhor como o Pai e o Filho, dando a vida, que falou pelos profetas e que é Deus como o Pai e o Filho.

Agora outro assunto: Et unam, sanctam, cathólicam et apostólicam Ecclésiam. Notemos: não dizemos: Credo in.... Por quê? Porque a fé, que tem a Deus por objeto imediato, é um movimento de nossa alma para Deus; ela se lança e repousa nele; então cremos in Deum — em Deus. Mas para as coisas criadas e intermediárias que concernem a Deus, que servem para nos conduzir a Ele e que não são Ele, nós cremos simplesmente, sem movimento interior que nos traga o repouso. Por exemplo: a Igreja que Jesus Cristo fundou, no seio da qual, se encontra, exclusivamente salvação, Credo Ecclesiam. Neste Símbolo, esse artigo é mais desenvolvido do que no Símbolo dos Apóstolos, que nos faz dizer simplesmente: Credo Sanctam Ecdesiam Catholicam.

Dizemos, pois, primeiramente, que a Igreja é una: Credo unam Ecclesiam. No Cântico dos Cânticos escutamos o próprio Esposo chamá-la minha única: una est columba mea.

Além disso ela é santa: Credo sanctam Ecclesiam; ainda uma vez ouvimos o Esposo dizer no Cântico: Amica mea, columba mea, formosa mea... et macula non est in te — Amiga minha, minha columba, minha formosa... não há em ti nenhuma mancha. São Paulo, escrevendo aos Efésios, diz também que ela é sem mancha nem ruga: non habentem maculam aut rugant.  A Igreja de Jesus Cristo é santa, só nela há santos e nela sempre haverá santos. Ainda mais: sendo santa, só pode ensinar a Verdade.

A Igreja é católica: Credo Ecclesiam Catholicam. Quer dizer, é universal, por estar espalhada por toda a terra; e também que sua existência se prolongará até o fim dos tempos. A qualidade de católica que lhe é dada compreende tudo isso.

Enfim, é apostólica: Credo Ecclesiam Apostolicam. Sim, remonta ao começo, quer dizer que vem de Nosso Senhor; não foi elevada de repente no meio dos tempos, como fez o protestantismo, no século XVI Assim não seria de Nosso Senhor. Para ser a verdadeira Igreja, deve ser apostólica: isso significa que é preciso uma hierarquia que esteja em linhagem direta até os Apóstolos, e pelos Apóstolos a Nosso Senhor em pessoa. Assim cremos na Igreja, e Deus quer que a creiamos una, santa, católica e apostólica: Et unam, sanctam, cathólicam et apostólicam Ecclésiam. Cremos que ela é fundada sobre estes quatro caracteres essenciais que são a noção c a prova de sua instituição divina.

Confíteor unum baptísma in remissiónem peccatorum - Confesso um só batismo para a remissão dos pecados. A palavra Confiteor significa aqui reconheço. Mas por que a Igreja nos faz confessar tão expressamente um só batismo: Confiteor unum baptisma? — Porque insiste que proclamemos que só há um meio de nascimento espiritual e, segundo a palavra do Apóstolo aos Efésios, um só batismo, como um só Deus e uma só fé: Unus Dominus, uma fides, unum baptisma.

O batismo nos faz filhos de Deus ao mesmo tempo em que nos dá a graça santificante, pela qual o Espírito Santo vem habitar em nós. E quando pelo pecado mortal o homem tem a infelicidade de perder essa graça, a absolvição o reconcilia com Deus, restaurando-Lhe a graça do batismo. Essa graça primeira é tão forte, que ela mesma é devolvida, e não outra. O batismo tira sua força da água que saiu do lado de Nosso Senhor e que foi para nós o princípio de vida. Por isso, Nosso Senhor verdadeiramente nos produziu, e este é o único batismo que devemos confessar e conhecer.

Et expecto resurrectionem mortuorum - Espero a ressurreição dos mortos. A Igreja não faz somente dizer: creio na ressurreição dos mortos, mas espero. Devemos ficar impacientes para ver chegar o momento da ressurreição, pois a união do corpo com a alma é necessária para a perfeição na bem-aventurança.

Os pagãos tinham muita dificuldade em aceitar essa verdade, porque a morte parece ser uma condição de nossa natureza. Como a nossa natureza se compõe de alma e de corpo, e esses elementos podem ser separados, a morte conserva algum império sobre nós. Mas, para nós cristãos, a ressurreição dos mortos é um dogma fundamental. Nosso Senhor, ressuscitando no terceiro dia depois de sua morte, confirma-o de maneira estrondosa, pois, diz São Paulo, foi o primeiro a sair dentre os mortos: primogenitus ex mortuis; como devemos segui-lo, devemos todos ressuscitar.

Et vitam ventúri saeculi - Espero também a vida do século vindouro, que não conhece a morte. Na Terra, vivemos a vida da graça, apoiando-nos na fé, na esperança e na caridade; mas não vemos a Deus. Na glória, ao contrário, gozaremos plenamente da presença de Deus, varnos vê-lO face a face, como nos diz São Paulo: Videmus nunc per speculum in aegnigmate: tuc autem facie ad faciem — Agora vemos como num espelho, numa imagem} mas depois veremos face a face. Além do mais, durante nossa peregrinação terrestre, estamos expostos à perda da graça, ao passo que no céu não existe nenhum temor desse gênero, e possuiremos algo que satisfaz todos os desejos do homem: possuiremos o próprio Deus, que é o fim do homem. E, pois, com razão, que a Santa Igreja nos faz repetir: Et exspecto vitam venturi saeculi.

Tal é a magnífica profissão de fé que a Igreja põe na boca de seus filhos. Existe outra fórmula do nosso Símbolo que foi composta por Pio IV, depois do Concilio de Trento. Essa que acabamos de ver acha-se ali incluída, mas com muitos outros artigos dirigidos contra os protestantes, e é lida por eles na ocasião de sua abjuração: não podem obter a absolvição se não cumprirem essa condição. Além desses, todos os que recebem benefícios eclesiásticos devem pronunciá-lo ao tomar posse. Assim, um bispo deve fazê-lo chegando a sua diocese. Todos os párocos deveriam fazê-lo igualmente, ao assumir sua paróquia, mas esse costume foi abandonado depois da Revolução, sendo observado apenas em certas localidades particulares.

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